quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Década Quarta da Ásia. Diogo do Couto. «Para todos previu embarcações, soldos e mantimentos. Couto bate muito nesta tecla. Soldados contentes são aqueles a quem não faltam soldos nem mantimentos. Nuno da Cunha não consentia que, da fazenda dessa gente, se gastasse coisa alguma»


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Introdução à leitura da Década Quarta de Diogo do Couto
«São diferenças em toda a parte. Nas Molucas entre Garcia Henriques e Jorge Meneses, antigo e novo capitães de Ternate, em tempo em que os castelhanos disputavam connosco a supremacia naquelas ilhas. Jorge Meneses manda prender Garcia Henriques em ferros. Depois Garcia manda prender Jorge. Os sequazes de Jorge ameaçam obter a aliança dos castelhanos contra o antigo capitão.
Jorge Meneses vê-se livre de Garcia. No exercício do poder singulariza-se por vexações e crueldades, que o cronista acha indignas de portugueses. Sucede-lhe Gonçalo Pereira que o manda prender. O novo capitão descontenta os portugueses. Um português chamado Vicente Fonseca faz-se cabeça da conspiração. O capitão é assassinado, sucede-lhe -o conspirador.
É um tempo de revoltas. Não há soldados que queiram ir à Sunda, onde faz falta uma fortaleza nossa. Enganam os soldados. Dizem-lhes que vão às presas. Do que eles gostam é de ir às presas. Descobre-se o segredo. Os soldados amotinam-se e põem fogo à armada.
Couto nutre a maior admiração por Nuno da Cunha, governador que sucede ao usurpador Lopo Vaz. No primeiro Soldado prático aparece aquele como espelho de governadores. E todavia Nuno da Cunha, que parte de Lisboa em Março de 1528, só chega a Goa em Novembro de 1529. Teve uma viagem desastrada, envolveu-se em guerras pelo caminho. Os nossos quiseram submeter Barém, sofreram um desaire colossal. O primeiro objectivo assinalado pelo rei ao novo governador é a tomada de Diu e a construção de uma fortaleza nesta praça. Nuno da Cunha recebe verbas excepcionais, reúne armadas tremendas. Mas antes do seu exercício e durante perdem-se as ocasiões mais propícias. Em vez de Diu toma-se a ilha de Beth (como escreve Couto), onde somos causa directa ou indirecta de um massacre geral. É verdade que se constroem as fortalezas de Chale, de Baçaim, finalmente de Diu, que se obtêm (mas depois se devolvem) os territórios de Salsete e Bardês. E o rei de Cambaia, que, ameaçado pelos Mogores, nos faculta a tão almejada praça, acaba por morrer às nossas mãos. Couto atenua: por precipitação de um português de baixa sorte.
Estes são os factos. A edificação resulta da maneira como são contados. De como são interpretados e comentados, quando se prestam a isso. Em Cochim, Lopo Vaz Sampaio acaba de obter sentença em seu favor. É governador da Índia. Começa a dispor. A Cristóvão Mendonça, que foi seu adversário, fá-lo capitão de Ormuz. Atribui-lhe um galeão, uma caravela e dois bergantins. Nestes navios carregam-se os provimentos necessários àquela fortaleza, e muita fazenda de El-Rei para se lá vender.
Logo o contraste. Lopo Vaz procede como os governadores do tempo da virtude, não como eles vieram mais tarde a praticar: neste tempo [o de Lopo Vaz] não tratavam os governadores, nem tinham o dinheiro de El-Rei debaixo de suas camas, antes o meneavam em proveito da fazenda de El-Rei, e não no seu.
De Nuno da Cunha o ditirambo anuncia-se, logo que ele começa a preparar a conquista de Diu. Para a jornada, o governador mandou ajuntar e negociar mui grandes apercebimentos. Não dá ponto sem nó. Requisita todos os navios que naquele porto [de Cochin] houvesse assim de El-Rei, como de partes. Não havia, quando ele governava, salários em atraso. Ordenou que se pagasse a toda a gente que se pudesse achar, apta para o fim em vista. Para todos previu embarcações, soldos e mantimentos. Couto bate muito nesta tecla. Soldados contentes são aqueles a quem não faltam soldos nem mantimentos. Nuno da Cunha não consentia que, da fazenda dessa gente, se gastasse coisa alguma. Tratava bem os homens, e esse é o dever do bom governador. Fossem eles portugueses, ou da terra. Assim, passou provisões ao Vedor da Fazenda e a todos os oficiais para fazerem estas despesas, encomendando a todos que, à gente de El-Rei de Cochim, se lhes fizesse muitos mimos, e nenhum agravo

In Diogo do Couto, Década Quarta da Ásia, volume I, coordenação de M. Augusta Lima Cruz, Coimbra Martins, Fundação Oriente, 1999, ISBN 972-27-0876-7.

continua