A importância da água na vila de Borba e os antecedentes da Fonte das
Bicas
«(…) Talvez devido a esta grande utilização, decidiu a Câmara, em 1712, fazer uma grande fonte em frente
à Igreja Matriz, aplicando o dinheiro régio destinado a obras públicas: nesta se axustou que das sobras do
património rial, dinheiro que ficou para as obras útis do povo se dispendese em
huma fonte por não haver nenhuma no povo capas do uso comum e ser a obra mais
nesesária para o povo. Contudo, o dinheiro régio não era suficiente para o
intento, e, como o povo e nobreza da vila de Borba viam os governantes do concelho
a desistirem da referida obra, aprovaram vender bens da Câmara e aplicar esse
dinheiro na fonte: e porquanto o dinheiro
deputado para as [o]bras públicas e não somente sento e trinta mil réis e como
este se não podia fazer a obra ymtentada constando a nobreza e mais povo vendo
que o juis e Vereadores e porcurador do Conselho se não detriminaráo a fazer a
obra por não terem dinheiro suficiente, vierão à câmara e requereram ao juis e
vereadores e porcurador do conselho que pella obra ser a de mais utillidade e
ne[se]sidade se mandou fazer a dita fonte por ser notório estarem as mesmas
fontes servindo de xafarizes para as cavalgaduras e com o comtínuo alogamento
da soldadesca servirem de llavadouros com muito grande dano e perjuizo da saúde
e lenpeza do povo. E que visto não terem mais dinheiro por cauza de os vereadores
pasados terem gasto sento e des mil réis das sobras do património que estava para
obras uteis e somente lhe ficar os ditos sento e trinta mil réis, pouco mais ou
menos, requerião se mandase fazer a dita obra gastando o que mais nesesário for
dos bens de raís como dinheiro que hé do mesmo povo.
Após se ter decidido fazer a nova fonte, surgiu a questão onde a situar.
A localização da Fonte dos Finados esteve envolta em polémica, na época,
e originou acesas discussões entre os membros da vereação. Ao que parece,
alguns membros da Câmara decidiram localizar a Fonte dos Finados em
frente à Igreja Matriz, iniciando a sua construção, sem levar a questão a
sessão de Câmara. O vereador Agostinho Gusmão Pais manifestou o seu
desagrado por não lhe terem pedido a opinião, afirmando que o lugar escolhido
não era o ideal, pois não servia os interesses da população: e pedindo o votto do vereador Agustinho
Gusmão Pais dise que por este termo não ser feito antes de se prinsipiar a
fonte, tenpo em que se devia fazer, por que se aporveitase com boa diresão os
bens do conselho e as couzas pertensentes a elle porquanto se prencipiou a obra
e se fes dispendio sem lhe pedirem o seu voto. E porque o povo a não aseita bem
por não ser de utillidade no sítio em que se perasepiou (sic) não votava nem
aseitava.
De facto, a Igreja Matriz encontrava-se afastada do centro urbano e da
área habitacional, mas o objectivo subjacente à escolha do local deveria
residir na vontade em servir os viajantes que se deslocavam a Elvas, Vila
Viçosa ou Santa Bárbara. Esta localização era defendida pelo juiz de fora, João
Silva Carvalho, pelo vereador, Francisco Abreu Sande, e pelo procurador do
concelho que afirmavam ser mais conveniente instalar a fonte em frente à
igreja. Estes homens intimaram o vereador descontente a, se o desejasse, tomar
por sua conta a obra da fonte: requerião
e ademostavão a elle vereador Agustinho Gusmão Pais que por ivitrar discórdias
que elles não querem que, ou thomase a obra da fonte sobre si e a mandase fazer
por oficiais que lhe paresese com o dinheiro que o conselho tem, que são os
ditos sento e trinta mil réis declarados no termo atras, buscando no povo quem
comcorese para u suplimento, vistos os asinados no termo não estarem pello seu voto
nem a mais vereasão.
Contudo, se assim o quisesse, teria de fazer a fonte de acordo com o
projecto previamente definido: e que
querendo assim a dita obra portestão e de juis e vereador e porcurador do
conselho seiya na forma em que elles a querem fazer: xafaris da fonte de pedra
mármore, quatro bicas como as da fonte de Villa Visoza, de guros de pedra
mármore, lageado da mesma pedra mármore, cano perdurável sem altarar a ágoa da
fonte do nasimento adonde está, secando o lago com altura d'ágoa que senper
teve, de tal sorte que se lhe não demenua do lago couza alguma da ágoa que senper
teve.
Desta forma, obtemos uma descrição do projecto inicial da desaparecida Fonte
dos Finados, baseada na fonte concelhia de Vila Viçosa. Há também a
referência à existência de um lago nas proximidades, certamente o lago ligado à
lenda da fundação de Borba (a
lenda da fundação da vila é um conto medieval que tentou explicar a origem da palavra
Borba. Segundo esta lenda, os primeiros povoadores encontraram um enorme barbo
num lago existente onde hoje se encontra a vila, originando a palavra barbo o
nome de Borba). Caso o vereador não assumisse a obra como desejava,
obrigavam os restantes membros da câmara a que este se afastasse da referida
obra: e portestam outrosim de que não se
fazendo na forma declarada lhe não porxidicar a elle juis, vereador e
porcurador do conselho ou os deixe fazer a sua obra na forma em que a tem
deliniado em pas pasefica sem turbasão alguma». In João Miguel Simões, A Fonte
das Bicas, Centro de Estudos Documentais do Alentejo, Edições Colibri e CEDA,
Lisboa, 2002, ISBN 972-772-344-6.
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