sábado, 12 de outubro de 2013

Botequim da Poesia. Fernando Pessoa. «O escritor não prevê nem conjectura: projecta. Acontece por vezes que espera por si mesmo, que espera pela inspiração, como se diz. Mas não se espera por si mesmo como se espera pelos outros»


Cortesia de wikipedia

Tédio
Não vivo, mal vegeto, duro apenas,
vazio dos sentidos porque existo;
não tenho infelizmente sequer penas
e o meu mal é ser (alheio Cristo)
nestas horas doridas e serenas
completamente consciente disto.

Não sei o quê desgosta
a minha alma doente.
Uma dor suposta
dói-me realmente

Como um barco absorto
em se naufragar
à vista do porto
e num calmo mar,

por meu ser me afundo,
p’ra longe da vista
durmo o incerto mundo.

Eis-me em mim absorto
sem o conhecer
bóio no mar morto
do meu próprio ser.

Sinto-me pesar
no meu sentir-me água...
Eis-me a balancear
minha vida-mágoa.

Barco sem ter velas...
De quilha virada...
O céu com estrelas
é frio como espada.

E eu sou vento e céu...
Sou o barco e o mar...
Só que não sou eu...
Quero-o ignorar.

Poema de Fernando Pessoa, in ‘Novas Poesias Inéditas

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