«(…) Quando o Brasil já era republicano, surgiu um movimento literário,
denominado Padaria Espiritual
(1892-1898), que congregou em Fortaleza jovens artistas (pintores, músicos e
escritores). Curiosa é a tentativa do grupo em estabelecer contacto com a Geração
de 70 portuguesa, tendo sido enviadas várias cartas, inclusive a Eça de Queirós. Adolfo Caminha,
um dos membros, resume a admiração do grupo: Todos nós tínhamos entusiasmo pela gloriosa constelação portuguesa: recolhemo-nos
para meditar frases ao Eça, ao Nobre, ao Ramalho, ao Guerra Junqueiro De
facto, o culto das personagens queirosianas fomentou vários clubes e
agremiações das mais diversas gerações. O diplomata e poeta Magalhães Azeredo
é também protagonista de um encontro inusitado com o seu ídolo, Eça de Queirós,
em 1898. Segundo o depoimento de Afonso
Arinos Melo Franco, Azeredo estava na redacção da Revista Moderna quando
entrou o próprio Eça, à procura de Eduardo Prado. Emocionado, o jovem
Azeredo não obedeceu às ordens de segredo, e revelou a Eça que estavam a preparar
um número especial em sua honra e que ele ali estava escrevendo o seu elogio ao
escritor. Ora, qual não foi sua
decepcionada surpresa ao verificar que Eça não se mostrou nada abalado com a
revelação. (…) e comentou, com displicência, já a caminho da porta, - Está a
escrever o meu elogio? Pois carregue-lhe no adjectivo. Um outro
diplomata (e igualmente escritor), Ribeiro Couto foi também grande
admirador de Eça: Para mim e para os
rapazes do meu tempo, da minha roda, primeiro em Santos (. . . ) depois sob as
arcadas do velho Convento de São Francisco, por volta de 1915, na Faculdade de Direito de São Paulo, ele foi uma grande
janela aberta para o mundo vivo. Os jovens leitores brasileiros do início
do século XX, por graça, atribuíam uns aos outros os nomes das personagens
queirosianas e tentavam imitar os seus personagens preferidos:
Não era só em nossa formação literária e em nosso próprio estilo que Eça de
Queirós influía. Influía em nossos projectos de andar pelo mundo, em nossos
hábitos, gostos e atitudes (…) As paisagens, os ambientes, a humanidade, mesmos
os tiques de linguagem e as atitudes das personagens do Eça, como nós dizíamos
estavam incorporados no nosso quotidiano.
Massaud Moisés destacou a verdadeira eçolatria que afectou os
escritores brasileiros na primeira metade do século XX: desde Aluísio Azevedo até os contemporâneos, Jorge Amado à frente.
Nem mesmo Graciliano Ramos (…) resistiu ao fascínio do estilista da Póvoa do Varzim.
Clarice Lispector, que negava ter sido influenciada por outros autores,
foi leitora voraz do Eça. José Lins Rego é outro escritor fascinado pelo
estilo queirosiano e Cyro dos Anjos, ainda na sua cidade natal, Montes Claros,
leu Eça». In Adriana Mello Guimarães, Ecos de Paris: A moderna presença de Eça de
Queirós no Brasil, Universidade de Évora, Escola Superior de Educação de
Portalegre, LusoSofia press, A Belle Époque Brasileira, CLEPUL, Centro de
Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias, Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-8577-15-3.
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