Introdução
«(…) Enfim, por estas e outras razões explícitas, Vasco da Gama, para
Couto, fora um predestinado, bem como o monarca que lhe facultou a viagem da
descoberta da India, ou seja, Manuel I. Lendo, com efeito, O Soldado Prático,
encontramos na parte final da obra, em jeito de resumo, a seguinte proclamação:
cotejando os favores que Deus fez aos israelitas e a nós, portugueses, ficámos
sem dúvida beneficiados. Porquê ou
para quê? Nos os Portugueses não
assim [não fomos desfavorecidos], porque como Deus Nosso Senhor tinha
determinado mandar dilatar e pregar a sua santa lei por autores de cousa
tamanha, que foi o mor mimo e mercê de todos os que fez aos filhos de Israel,
abriu-lhe[s] caminho por meio desse Oceano por distância de seis mil léguas e
em seis meses de jornada, sem risco, nem perigo; porque as três naus que a isso
foram, todas tornaram a este reino. E no Tratado de todas as cousas...
volta a afirmar que o negócio da descoberta da Índia foi tamanho
ou cousa grande, pelos gastos exigidos, pelo risco de aventura e,
sobretudo, por ser serviço de Deus e bem do Reino. Pois, ao dispor-se Vasco da
Gama a ser padrinho de baptismo do judeu polaco, emissário do sabaio de Goa,
não deu ele continuidade à acção evangélica
de um apóstolo? E assim podemos
dizer que Vasco da Gama foi o primeiro depois do appostolo S. Thomé que nestas
partes [...] comesou a ezercitar este santo salvamento e que abrio esta fonte
donde depois manou a amplissima christandade que por todo o Oriente se estende
- comentará, Couto.
Enfim, o autor do Tratado é um acérrimo defensor da
ideologia que, desde 1415 (leia-se,
particularmente o Livro de Arautos,
publicado em 1416 ou a Crónica dos Sete Primeiros Reis de Portugal,
iniciada em 1419), tradicionalmente
ou de uma forma estrutural, sustenta a Expansão Portuguesa e de que uma das
linhas de força será a aliança estabelecida entre Deus e os portugueses: eles
difundiriam a sua religião e Ele combateria a seu lado. Ora, deste ponto de vista,
conforme Couto registou na Oração / discurso que estava feita para o dia, que se
alevantasse [em Goa] a estatua do conde [Vasco da Gama], que não veio a efeito,
designadamente, se o valeroso capitão não tivesse descoberto o Estado
da Índia, não fora a Virgem Maria ali tão venerada. Com efeito, ela andava
associada, pelos portugueses, à empresa da Expansão, juntamente com alguns
santos (S. Tiago, S. Tomé...) e se, por sua intercessão, (é esta a
interpretação de Diogo do Couto), os nossos
alcançavam do Céu favores, também eles lhos prestavam. Concretamente, a Virgem
tinha particular obrigação para com Vasco da Gama.
A par do proveito espiritual, deveria ser considerado, igualmente, por ser
necessário e legítimo (segundo as mentalidades e ideologias da época do Gama)
valor material. Ora, do ponto de vista do último destes valores, segundo Couto
(e estamos a citar, novamente, a oração
referida), Vasco da Gama não descobrio
nesta jornada [a primeira] o horto das Espheridas, onde fabullarão haver maçans
d'ouro, mas descobrio-nos montes d'ouro, serras de prata, descobrio-nos minas
de diamantes, e rubis, pedras d'esmeraldas, e çafiras, descobrio mares, e pescarias
de perolas serenissimas, deo noticia ao mundo de todas as especiarias
aromatecas com que oje se emrequesse, descobrio-nos emfïm todas as louçainhas
lindezas, e riquezas deste Oriente [...]. Em suma, no contexto da economia
e da sociedade portuguesa, a descoberta da Índia permitiu aumentar o número e a
abastança das casas senhoriais, a ponto de algumas delas suplantarem em
majestade as antigas casas reais. Concorreu, enfim, e decididamente, para o
crescimento e o desenvolvimento do nosso
pequeno Reino». In Diogo do Couto, Tratado dos Feitos de Vasco da Gama e de seus filhos
na Índia, organização de José Azevedo Silva e João Marinho Santos, Universidade
de Coimbra, Faculdade de Letras, Edições Cosmos, Porto, 1998, ISBN
972-762-081-7.
Cortesia da FL da UCoimbra/JDACT