Ucharia real do monarca José I
«(…) A missão não seria das mais fáceis, como se pode provar pelo Regulamento da Ucharia, que José I assinou,
em 30 de Maio de 1765, estando a corte no palácio de N. Sra. da Ajuda, em
Lisboa, o qual se destinava a evitar abusos e improvisos no serviço de mesas na casa real. A primeira mesa destinava-se, como é natural, ao rei e à rainha. Abastecida
por cozinha própria, recebia da cozinha
principal do palácio oito pratos ao jantar e quatro à noite. Todos os extras, ou pratinhos particulares feitos por mulheres ou conserveiras, só
seriam fornecidos mediante papel assinado por D. Isabel António Gama Lobo. Da segunda mesa era titular a princesa real,
futura D. Maria I, que partilhava os repastos com o infante Pedro, seu marido. Servida
ao jantar com três pratos maiores de sopa, vaca e arroz, tinha também direito a
duas travessas de flamengas com guisados, outras duas com assados e uma com massa.
À ceia, competiam-lhe seis flamengas com iguarias. Sendo necessárias algumas miudezas de açúcar, café ou chá para
o quarto de S. A. se dariam por bilhete de D. Francisca Xavier Andrade Eça,
e nunca sem sua autorização. A terceira
mesa real pertencia ao futuro João VI, na altura com a idade de dois anos,
e para o qual se recomendava apenas
cuidado, delicadeza no serviço dos pratinhos que competiam à sua tenra idade.
As outras filhas de José I e de D. Mariana Vitória, as infantas D. Francisca
Doroteia, D. Mariana e D. Francisca Benedita, assistiam na sua quarta mesa e eram servidas ao jantar
com três pratos de sopa, vaca e arroz, duas flamengas
com guisados, duas com assados e uma
com massa. Para a ceia estavam
reservadas às princesas reais seis flamengas
com guisados, assados e as saladas que a época permitir.
Quinta mesa e seguintes
A quinta mesa, primeira
depois de servida a família real, era presidida pelo vedor da casa real e nela
tinham talher os gentis-homens da câmara
que se acharem de semana a S. M., assim como o vedor da rainha. Esta mesa,
ao jantar, era coberta por duas vezes e sempre por sete pratos, três maiores de
sopa, vaca e arroz, e duas flamengas
de entradas, tudo devidamente composto na
primeira fileira. A sexta e sétima iguarias eram de guisados ligeiros e usava-se colocar as ditas flamengas nos quatro ângulos da farta mesa. Na segunda coberta
caíam sobre a mesa dois suculentos pratos maiores, de assado, um de massa na fileira do meio, e quatro flamengas de entremeios nos já referidos
quatro ângulos, que concluíam a magistral geometria gastronómica da mesa do
real vedor. Por último apetite que caiba a um vedor que se preze e aos
gentis-homens seus assessores, é evidente que de tanta fartura muito sobraria
diariamente, aguçando o apetite da criadagem, sempre disposta a conciliar a plebeia dentuça em principesca iguaria,
sem olhar a direitos.
Para evitar abusos, José I impõe que a mesa do vedor seja servida só
por dois reposteiros, aos quais
competiria, depois de ser servida a refeição, um prato de assado e uma entrada, e nada mais, ficando as restantes
sobras para os criados do vedor e camaristas, que se vinham queixando
amargamente da gula excessiva dos reposteiros
que serviam à mesa dos seus senhores». In Manuel Guimarães, Histórias de Ler e
Comer, Veja, Lisboa, 1991, ISBN 972-699-294-X.
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