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«(…) De todas as poesias que precederam a de Pascoaes, o Pascoaes que
foi contemporâneo de Lopes Vieira, Corrêa d'Oliveira e João Lúcio, aquela com
quem a dele mais dialoga é sem dúvida a de Junqueiro, independentemente do
interesse que sempre lhe mereceram as poesias de Antero, de Gomes Leal, de
António Nobre, de Cesário Verde, de João de Deus (a quem se referiu nos
termos mais elogiosos) e de Eugénio de Castro. Depois da poesia de Camões
foi sem dúvida a poesia de Junqueiro a que mais interpelou Pascoaes
na nossa língua. Nunca a interpretação da poesia de Pascoaes ficará a caminho
de se completar se o intérprete deixar deliberadamente esquecida a poesia de
Junqueiro pois muitos dos significados da poesia de Pascoaes só se tornam claros
à luz da própria poesia de Junqueiro. Eis o que um dia o poeta disse de
Junqueiro e dos seus versos: Teria uns
quinze anos, quando li os versos de Junqueiro. Os trechos sentimentais de João
de Lemos, Júlio Dinis, Tomás Ribeiro, dissolveram-se, como penumbras mortas, na
claridade viva, sinfónica, surpreendente que derrama sobre as almas a poesia
junqueireana! Abriu-se, em mim, de súbito, uma janela para a luz. Fiquei, para-sempre,
deslumbrado! Guerra Junqueiro, sendo o Beethoven do verso, é o poeta da luz. A
sua lira é feita do mesmo ouro que a de Apolo. A luz ri nas suas sátiras, mais belas
que as de Juvenal; canta no seu lirismo primaveril e amanhecente…(in A Águia, volume III, 3.ª serie, 1923).
Se na sua primeira fase a poesia de Pascoaes estabeleceu
relações privilegiadas com as poesias de Afonso Lopes Vieira, Corrêa d’Oliveira,
João Lúcio e também Guerra Junqueiro, cuja poesia será de resto uma constante
motivação para Pascoaes tecer nos parágrafos dos seus livros em prosa as mais
variadas considerações, na fase logo imediata, que é a da Renascença
Portuguesa, a poesia de Pascoaes estabelece um diálogo privilegiado, como
dissemos já, com as poesias de Afonso Duarte, Jaime Cortesão, Augusto Casimiro,
Mário Beirão e também, pelo menos ao nível do pensamento, com as obras de
Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro. Às poesias de Afonso Duarte, Jaime
Cortesão, Augusto Casimiro e Mário Beirão dedicou Teixeira de Pascoaes muitas
páginas de Os Poetas Lusíadas e de outras obras suas. Quanto à admiração
que Pascoaes sentiu pela poesia de Mário Beirão já em outra ocasião e em outro
local chamámos a atenção para ela, parecendo-nos indispensável o conhecimento
confrontado da poesia de ambos, quer para o conhecimento da poesia de um quer
para o conhecimento da poesia do outro. Recordemos apenas que no Santo Agostinho (1945) Pascoaes chegou a
cunhar a expressão canto beironeano, para designar a poesia do poeta de Ausente (1915), de tal modo esta
lhe aparecia perfeitamente individualizada entre todas.
A Fernando Pessoa escreveu Teixeira de Pascoaes cartas de grande
carinho e admiração, como aquela que tem a data de 21 de Outubro de 1912, onde
lhe chamou Irmão em Fé e na Esperança e onde diz: o seu espírito chegou pelo raciocínio à verdade a que eu cheguei pelo
instinto. De resto uma poesia que mantém íntimas relações com a de Fernando
Pessoa, a de Mário Sá-Carneiro (sócio
da Renascença Portuguesa e colaborador da revista A Águia como Pessoa),
parece ter toçado profundamente Pascoaes que disse dela, quando Álvaro Bordalo,
seu editor, lhe perguntou o que pensava do movimento futurista: nesse movimento houve um poeta, um
verdadeiro poeta, Mário Sá-Carneiro. Esse, sim, foi um poeta de raíz, porque
não era nada estilizado. Sobre as relações de Teixeira de Pascoaes com a
obra de Fernando Pessoa tem-se insistido demasiado na incompreensão que
Pascoaes votaria à obra de Pessoa, adiantando depois que essa incompatibilidade
nada mais seria que o sintoma de uma outra incompatibilidade mais vasta: a da
poesia antiga representada por Teixeira de Pascoaes, com a poesia moderna,
representada esta por Pessoa, chegando mesmo alguns críticos a dizer
apressadamente que podemos encontrar na poesia portuguesa um período poético
ante-fernandino, em que a obra de Pessoa não podia ser compreendida, e um período
pós-fernandino, em que ela passou a ser entendida.
Esta ideia de incompreensão de Teixeira de Pascoaes pela obra de
Fernando- Pessoa, apesar de se ter tornado um dos lugares comuns da crítica,
não foi nunca provada e tem contra ela inúmeros factos. A negação que Pascoaes
fez, se e quando fez, das obras de Fernando Pessoa deve ser sempre entendida
como aquilo a que chamaremos de negação
transcendente, negação que se destinava mais (como sempre acontece em
Pascoaes, mestre de antíteses) a afirmar que a negar». In António Cândido Franco,
Eleonor na Serra de Pascoaes, Edições Átrio, Lisboa, Colecção o Chão do Touro,
1992, ISBN-972-599-042-0.
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