sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Duas Estratégias Divergentes na Busca das Índias. D. João II vs Colombo. José M. Garcia. «A 30 de Novembro de 1494, Münzer deslocou-se à igreja de N. Srª da Luz para ver as famosas canas que tanto o interessavam…»

Túmulo de João II
jdact

As canas nos testemunhos de Martin Behaim e Jerónimo Münzer
«(…) Não deixa de ser estranho o atraso da propagação desta notícia fantástica, considerando a sua larga difusão pela impressa, nomeadamente através do folheto intitulado De insulis Indie supra Gangem, mas assim parece ter acontecido, pois de outra forma a elaboração da carta de Münzer não teria sentido. Os argumentos em prol da tese apresentada por Münzer na carta de 1493 foram-lhe em grande parte fornecidos por Behaim no sentido de fundamentar a existência das terras orientais aonde seria fácil de chegar por uma via ocidental e entre os indícios que a sustentam indicava-se a existência das canas que eram arrastadas pelo mar, como se verifica na transcrição do seguinte trecho da referida carta, em que confrontamos a versão latina com a portuguesa

Texto do extrato da cópia em latim da carta de Jerónimo Münzer tal como foi copiada por Hartmann Schedel
Considerans h[a]ec invictissimus Romanorum Rex Maximilianus matre Portugalensis voluit epistola mea quamavis rudi maiestatem tuam invitari ad qu[a]erendum orientalem Cathaii ditissimam plagam. […]


Quando Münzer escreveu esta carta ainda não tinha vindo a Portugal e por isso não podia ter feito a referência às canas e ao contexto em que lhes alude sem ser por via das informações que Behaim lhe fornecera. Behaim ao chegar a Lisboa verificou que o seu projecto tinha sido ultrapassado pela realização de Colombo em 1492-1493 e que pela assinatura do Tratado de Tordesilhas a7 de Junho de 1494 Portugal ficou afastado da exploração das rerras ocidentais recém descobertas. Terá sido por estes factores que o alemão acabou por cair no esquecimento e foi silenciado pela cronística portuguesa, com a notável excepção de João de Barros. Este autor acabou por destacar a sua acção científica reflectindo um eco que teria sido empolado e adulterado pela memória quando alegou que em tempo del-rei João segundo foi por ele encomendado este negócio [da navegaçáo astronómica] a mestre Rodrigo e a mestre Josepe judeu, ambos seus médicos, e a Martinho da Boémia, natural daquelas parte, o qual se gloreava de ser discípulo de Joane de Monte Régio, afamado astrónomo entre os professores desta ciência, os quais acharam esta maneira de navegar pela altura do sol, de que fizeram suas tavuadas pêra declinação dele, como se ora usa entre os navegantes, já mais apuradamente do que começou, em que se serviam estes grandes astrolábios de pau.
Em 1494, Münzer saiu de Nuremberga e veio a Portugal, onde a 16 de Novembro se encontrou em Évora com o rei João II, que o recebeu muito bem, tendo falado com ele longamente sobre vários assuntos relacionados com os Descobrimentos, pelos quais o alemão tinha particular interesse. No decorrer de tais conversações as canas mencionadas na sua carta de 1493 terão sido evocadas e seria na sequência da curiosidade então revelada por esses materiais que o alemão foi autorizado a vê-las quando se deslocou a Lisboa. Münzer partiu de Évora a 26 de Novembro de 1494 e depois de ter chegado a Lisboa ficou hospedado na casa do Rossio que pertencia ao sogro de Behaim. De entre as coisas de que muito se admirou nesta cidade o alemão realçou no Castelo de São Jorge um grande mapa redondo com cerca de três metros de diâmetro, que como atrás assinalámos será admissível tratar-se do mapa-mundo de Fra Mauro. A 30 de Novembro de 1494, Münzer deslocou-se expressamente à igreja de Nossa Senhora da Luz para ver entre os objectos exóticos que aí se guardavam as famosas canas que tanto o interessavam desde que no ano anterior escrevera a carta a João II». In José Manuel Garcia, D. João II vs Colombo, Duas Estratégias divergentes na busca das Índias, Quidnovi, 2012, Vila do Conde, ISBN 978-989-554-912-2.

Cortesia de Quidnovi/JDACT