A luta contra o primado de Toledo
«(…) Além disso surgiu, enquanto Jacinto visitava as dioceses
galegas, nova dificuldade, ou antes: uma velha questão, que dormia há vinte anos,
aparecia de novo: a luta entre Braga e Santiago. Tratava-se sobretudo das
pretensões de ambos ao bispado de Coimbra e aos dois bispados de Viseu e
Lamego, estes últimos dirigidos anteriormente por Coimbra e agora independentes.
Os arcebispos de Santiago tinham, não importa por que motivo, e desde os
primeiros anos de Inocêncio II, estado calados a respeito da sujeição dos três
bispados a Bragal; agora retomou o arcebispo Paio as suas antigas pretensões
que Calisto II confirmara por escrito. Igualmente renovou velhas queixas por
causa dos seus direitos a meia cidade de Braga e por causa dos votos de Santiago, que Braga se recusava
a pagar. Apresentou a Jacinto as suas queixas quando este se encontrava em
Orense e deu então ao legado, por conselho seu, dois clérigos que o
acompanhassem a Braga para aí, em presença do cardeal, pedirem contas ao arcebispo
João. É claro que João Peculiar impugnou tais pretensões; pois aquelas três
dioceses formavam o coração do Portugal daquele tempo, e, se Braga tivesse de
as abandonar, perderia a sua posição de metrópole de Portugal. Para remover
este dissídio perturbador, Jacinto marcou um dia para negociações em Tuy.
Entretanto, visitava o cardeal outras cidades portuguesas.
Sabemos que a 8 de Outubro de 1154
se encontrava em Coimbra, onde foi recebido pelos cónegos de Santa Cruz em
procissão solene. No dia 4 de Novembro de 1154
estava em Tibães, perto de
Braga, portanto já de regresso para o norte, e aí concedeu ao mosteiro de Santa
Cruz novo privilégio. A 10 de Novembro assinou uma carta ou diploma a favor de
Refóios Lima, e a 15 de Novembro encontrava-se em Tuy, donde concedeu
privilégio ao mencionado mosteiro, que deste forma vinha a ser o quarto
mosteiro isento ou de protecção papal. Ocupou-se pois das necessidades das igrejas
portuguesas e seguramente não deixou de se pôr em contacto com Afonso Henriques. Então em Tuy teve
lugar a negociação entre os arcebispos de Braga e Compostela. Uns bons seis
dias se discutiu, apresentando-se mutuamente os privilégios papais e outros documentos,
e nada se calando do que podia ser lançado em rosto ao adversário; os bracarenses
trouxeram à baila o próprio roubo das relíquias, levado a efeito pelos
compostelanos cinquenta anos antes. Jacinto esforçou-se o mais que pode por
conseguir um acordo; não queria fazer perigar o êxito do concílio iminente. Mas
tudo foi debalde; teve de ordenar aos dois partidos que levassem mais uma vez a
julgamento as suas divergências, precisamente ao concílio que havia sido
convocado para Valladolid, para Janeiro de 1155.
Ambos os arcebispos prometeram aparecer neste concílio.
João Peculiar, porém, faltou ao prometido. Apesar de toda a
prudência e de todas as tentativas de conciliação feitas pelo cardeal, bem
sabia que nada tinha a esperar dum concílio reunido na presença de Afonso VII
de Castela e em que os bispos leoneses e castelhanos formavam enorme maioria.
Além disso, Jacinto não tinha podido esconder que João Peculiar teria de se
justificar neste congresso por causa das pretensões do primado toletano, o que
significava que se pretendia exigir dele, directamente, obediência ao arcebispo
de Toledo, motivo bastante, este,
para ele evitar o concílio. Apesar da ausência do arcebispo de Braga, foi
certamente a mais brilhante reunião eclesiástica que a Espanha vira desde os tempos
visigóticos. Felizmente, possuímos numa inquirição de testemunhas do ano 1182 uma descrição parcial do decorrer
do concílio e da sua encenação exterior. Na nave da igreja de Santa Maria de
Valladolid erguera-se um estrado; lá se encontravam sentados o imperador
Afonso VII com seus filhos Sancho e Fernando e vários grandes, demais o cardeal,
tendo dum lado o arcebispo de Toledo e do outro o de Compostela». In
Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa,
Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra
Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT