A Esquadra Miguelista Derrotada e Apresada
«(…) Por outro lado, acodem ao sul do país as
tropas do brigadeiro Raimundo, enviadas de Lisboa, e, em Coimbra, o brigadeiro
Nuno Augusto Taborda, vindo do Porto com uma brigada, anexava às suas forças um
batalháo de infantaria 8, outro de infantaria 17 e um esquadrão de cavalaria 4,
milícias de Aveiro, realistas de Penafiel e duas bocas de fogo. Entretanto,
precisamente a 2 de Julho, o vice-almiranrüe Napirer saía de Lagos, tomando o
rumo de Lisboa. Sucedia, porém, que na véspera largara da capital a esquadra
miguelista com ordem de combater a frota constitucional. Foi um erro crasso do
governo, pois em virtude de os navios não estarern preparados para operação de
tal envergadura, os comandantes manifestaram relutância em partir em tais condições.
Embarcara, por assim dizer, à força. Era António Correia Aboim quem comandava a
esquadra absolutista, enquanto não chegava o capitão de marinha inglesa Eliot,
contratado em Londres pelos agentes de Miguel.
Compunha-se a referida esquadra dos seguintes nove navios: naus D. João IV e Rainha, fragatas Martim de Freitas e Princesa Real,
corvetas Isabel Maria, Princesa Real e Cibele
e brigues Tejo e Audaz.
Foi pelas oito honas da manhã do dia 3 que por
alturas de São Vicente os marinheiros liberais avistaram velas miguelistas. De
um e outro lado se procedeu a manobras, tomando posições para uma batalha.
Esta, porém, não viria a ferir-se senão no dia seguinte,quando o mar, mais
calmo, se tornara propício. O entrectroque foi terrível, segundo o relato do
próprio vice-almirante britânico. Apesar da má vontade e das precárias condições
morais em que embarcaram, os marinheiros absolutistas bateram-se com arreganho.
Mas não puderam resistir ao grande poder dos liberais, superiormente comandados
por um autêntico lobo-do-mar, valente e sabedor. A esquadra absolutista não só
foi derrotada como também ficou quase totalmente em poder dos constitusionais.
Apenas a Isabel Maria e a Cíbele puderam fugir, regressando salvas
a Lisboa. O brigue Audaz tratou de
reunir-se em Lagos à esquadra liberal, e o Tejo,
abandonando igualmente a esquadra miguelista, foi ter à ilha da Madeira. Assim,
no dia 5 de Julho de 1833, Lisboa,
que até então era considerada pelos miguelistas a cabeça do Estado
Absolutista, achou-se desamparada de qualquer defesa por mar. Encontrava-se
no começo do declive para a sua derrota total.
O infante Miguel festeja uma derrota
A notícia de que o vice-almirante Napier largara do
Porto com rumo ao Sul, possivelmente a Lisboa; onde o Absolutismo parecera
ter criado fundas raízes, dera ânimo ao infante Miguel, que entretanto
aguardava com impaciência um novo chefe militar capaz de emendar a triste série
de erros cometidos pelos generais que se tinham mostrado incapazes de vencer a
resistência das forças liberais instaladas no Porto. A falta de confiança nos
generais portugueses levara o infante usurpador a optar pela escolha de um
marechal francês, cuja história militar parecia adaptar-se melhor à sorte das
armas absolutistas. Era este o conde de Chaisme de Bourmont, o mesmo que, em 1815, por ocasião da batalha de
Waterloo, traíra Napoleão, desertando para as fileiras contrárias. Depois, em 1830, fora-lhe atribuído o comando superior
a 40000 homens que a França expediu contra o rei da Argélia. Conseguiu com eles
anexar aos domínios franceses a importantíssima colónia argelina aos
riquíssimos domínios franceses, o que lhe valeu o bastão de marechal precisamente
na altura em que teve de homiziar-se com Carlos X, o rei a quem servira.
Devia-lhe Portugal a seguinte prova moral: como agradecimento por ter
recebido hospitalidade neste país quando em 1804 se evadira de Besanção, onde o tinham encarcerado por questões
políticas, Bourmont aceitou, em 1807,
o cargo de chefe do estado-maior da divisão do célebre Loison, na invasão francesa
comandada por Andoche Junot. Era Bourmont o general que as forças retrógradas
iam ter agora à sua frente. Enquanto aguardavam a chegada do novo chefe militar
para se decidirem a mais uma tentativa contra o Porto, divulgaram a notícia de
ter ficado a cidade apenas defendida por voluntários paisanos e alguns
estrangeiros, afirmando que toda a tropa liberal da primeira linha já
embarcara. Apressaram os necessários preparativos de um novo ataque, por vezes
presidido pelo próprio infante Miguel, que dera em visitar quase todos os dias
os seus acampamentos, mas já preocupado com o desfecho da luta». In
Mário Domingues, A Derrocada do Absolutismo, Evocação Histórica, Edição Romano
Torres, série Lusíada, Lisboa, 1977.
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