A luta contra o primado de Toledo
«(…) Ao mesmo tempo, ajuntava uma queixa por causa do bispado
de Zamora, reclamando para si esta diocese, cujo bispo havia sido sagrado pelo
metropolita de Toledo, baseando a sua, reclamação no ajuste feito com o cardeal
legado Deusdedit, em 1124. Eugénio
III citou por isso, em 6 de Junho de 1151,
ambos os arcebispos a comparecerem em Roma. Houve então, é certo, um adiamento,
que se pode ligar talvez com a morte de Raimundo de Toledo ocorrida no ano
seguinte. Mas quando o seu sucessor João, no verão de 1153, enviou os seus representantes à cúria, apareceu também em
Roma João Peculiar de Braga, para se assegurar do bispado de Zamora. É
característico que, entre todas as suas viagens a Roma, seja esta a única em
que ele tenha aparecido na cúria sem um séquito de emissários dos mosteiros
isentos portugueses ou de cavaleiros da ordem: desta vez era fácil o jogo e
podia passar sem auxílios complicados e aparatosos para conseguir o favor do
papa. O êxito desejado não se fez esperar; Zamora foi-lhe adjudicada em 13 de Junho
de 1153 e desta forma atingiu a província eclesiástica de Braga a maior extensão
de todos os tempos.
A consciência da sua posição segura na Cúria deu novo ânimo
a João Peculiar para retomar a antiga atitude de oposição na questão do
primado. Na verdade, o acto de sujeição de 1150
ficou sendo o único, nunca foi repetido; quando o sucessor de Raimundo de
Toledo, o já nomeado João, exigiu a renovação da obediência, recomeçou João
Peculiar com a sua antiga recusa. João de Toledo queixou-se logo em Roma, e Anastácio
IV, que agora havia subido à cadeira de S. Pedro, defendeu o primado de Toledo
tão energicamente como ambos os seus predecessores. Em duas linhas,
respectivamente de 8 de Abril a 19 de Setembro de 1154, ordenou ele ao arcebispo de Braga que se sujeitasse, sob pena
de suspensão se desobedecesse. As bulas não foram porém entregues. É que
Anastácio IV encarregara também ao mesmo tempo o seu legado Jacinto, cardeal-diácono
de S. Maria de Cosmedin, que no começo de 1154
enviara a Espanha, de tratar desta questão e Jacinto tomou conta dela,
evidentemente.
É possível que as incumbências com que Jacinto veio a Espanha
fossem o restabelecimento da paz entre os príncipes da Península e a organização
duma expedição guerreira comum contra os infiéis. Nesta última direcção exerceu
ele actuação especial; fez que se resolvesse nos concílios de Valladolid e Lérida
mandar uma expedição entre os mouros e conceder as respectivas indulgências, tomou
em seguida ele próprio a cruz e fez que lhe entregassem, pelo menos
nominalmente, a direcção da empresa. Mas o restabelecimento da paz entre os
cristãos não foi planeado sem reserva, mas' pensado absolutamente no sentido de
Castela. A iniciativa desta legacia é de Afonso VII de Castela, e a posição
assumida em face do primado de Toledo mostra mais uma vez, com especial clareza
em que sentido devia trabalhar o legado. Jacinto recebeu instruções expressas
para obrigar a prestar obediência ao primaz de Toledo não só o arcebispo de Braga
mas também os metropolitas de Compostela e Tarragona, isto é: todos os
metropolitas da Península, o que significava, naturalmente, a supremacia
política de Castela. A paz
devia pois significar submissão de toda a Península a Castela: o antigo programa
da Cúria enfim devia ser executado.
Jacinto principiou a sua tarefa quanto a Portugal, as circunstâncias
do oriente da Península não podem ser expostas aqui, com grande precaução. Ele
próprio menciona mais tarde na carta concedida a Toledo que impediu a entrega
da bula ao arcebispo de Braga; pois era sua intenção convocar vários concílios
como encerramento da sua missão, sobretudo um em Castela, no qual devia tomar
parte o episcopado português e navarrense e que devia exprimir solenemente a
unidade da quase totalidade da Igreja hispânica sob a direcção de Castela, e
receava com razão que o arcebispo de Braga se mantivesse afastado deste
concílio, se de antemão soubesse pelas bulas do papa toda a severidade da ordem
que o cardeal lhe trazia». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no
primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto
Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.
Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT