A Divisão da História de Portugal em períodos
«(…) Mas reflitamos que o Portugal oitocentista é um compromisso do
antigo regime com as novas realidades (ainda há pouco A. Silbert advogou
com inúmeros argumentos que a nossa agricultura e vida agráría só se modificam
verdadeiramente por alturas de 1870). É possível, é natural também
que a predilecção de Herculano pela Idade Média, levando-o a visão
demasiado global dos tempos posteriores ao Quatrocentismo, tivesse empecilhado
a adopção, que tão importante teria sido, do seu critério de periodização com
base estrutural. É preciso passarmos a Oliveira Martins, volvido mais de
um terço de século sobre as Cartas sobre a História de Portugal,
pata encontrarmos nova tentativa baseada essencialmente nos princípios postos
por Herculano, embora chegue a uma divisão diferente. Que é realmente a história? O íntimo e essencial consiste no sistema das
instituições e no sistema das ideias colectivas, que são para a sociedade como
os órgãos e os sentimentos são para o indivíduo; consistindo, por outro lado,
no desenho real dos costumes e caracteres, na pintura animada dos lugares e
acessórios que formam o cenário do teatro histórico. Estes dois aspectos são
igualmente essenciais: porque a coexistência independente dos motivos
colectivos e naturais, e dos actos individuais, é um facto incontestável na
vida das sociedades. A sociedade portuguesa é molécula do organismo social
peninsular, e nos seus movimentos colectivos obedeceu ao sistema de causas e condições
da história geral da península.
Sendo assim, a periodização tem de dar as fases verdadeiramente destacadas
por que atravessou esse todo peninsular em que a história portuguesa está
profundamente integrada: constitui-se a sociedade, antes dos Rornanos e com os Romanos;
essa Hispânia antiga dissolve-se, e seguidamente formam-se as nações
peninsulares, até começos do século XVI; é agora o período do imperialismo e do
esplendor, que, contendo em si as causas da decadência, leva às ruínas nos
séculos XVII e XVIII, para que, desde o segundo quartel de Oitocentos, a
península se debata entre o mundo novo que nela penetra de fora e a antiga
tradição (História da citilização ibérica, 1879). Portanto a
história de Portugal pode cindir-se em três grandes períodos: 1.º correspondendo aliás à dinastia agonsina,
é o da constituição; 2.º, de 1385
a 1580, é o da expansão (e as preferências de Oliveira Martins,
ao contrário das de Herculano, vão para este, que corresponde à dinastia
de Aviz); 3.º o da decadência, de 1580 até o século XIX (Introdução à História de Portugal de Stephens,
1893).
Considerado mais particularmente o aspecto individualizador da história de
Portugal no todo peninsular, divide-se em quatro épocas. Na primeira,
Portugal não se destaca ainda vincadamente do sistema de Estados peninsulares.
Com Aljubarrota introduz-se a segunda época, e nesta o sentimento da
independência torna-se popular, verdadeiramente nacional, é a consciência do
existir colectivo, e o País lança-se na expansão, a territorial marroquina, na
linha tradicional peninsular, a marítima, movimento propriamente nacional,
ficando por um momento Portugal à testa da história da Hispânia. A terceira
época é a do domínio oriental, e com ele a da decadência, que a perda da
independência consagra. Na quarta recupera-se a independência, mas em
novas bases: a exploração e colonização do Brasil substitui, como ponto de
apoio externo, o império oriental, perdido, mas a nação fica estreitamente
dependente de outras nações industrial e comercialmente mais adiantadas. Quinta
época: o Portugal contemporâneo parte da perda do Brasil e da revolução
liberal, com seus novos barões.
As ideias de Oliveira Martins foram
perfilhadas por Alberto Sampaio, exerceram influência sensível sobre Basílio
Teles, e constituem o fundo sobre o qual está construída a História de Portugal de António
Sérgio (Barcelona, 1929). É curioso que justificam
estruturalmente a periodização por dinastias e talvez esta coincidência não
fortuita entre as grandes viragens da evolução portuguesa e as mudanças de
famílias reinantes contribuísse para manter o esquema pluri-secularmente
tradicional. Pelo menos a cesura de 1385
não podia deixar de ficar reforçada com os ensaios de Basílio e Sérgio e com os
factores democráticos na formação de Portugal de Jaime Cortesão (1930).
Entretanto, sob a direcção de Damião Peres, publica-se a grande História
de Portugal (1928-1935), em que para cada período
as matérias são arrumadas muito convencional e rotineiramente segundo o
tríptico Política, Instituições e econornia, Cultura, completado,
a partir do momento devido, pelo painel da Expansão e domínio ultramarino. O
leitor não é esclarecido quanto ao critério de divisão cronológica, e ele
também não ressalta inequivocamente à leirura da obra. No prefácio parece
seguir-se Oliveira Martins: Primeiro
estabelece-se e firma-se a independência. Depois, nos séculos XV e XVI, os portugueses
descobrem para metade do mundo a outra metade que aquela desconhecia... Mais
tarde quando o organismo nacional entra em decadência... Todavia as
divisões não correspondem inteiramente: o 1.º
período estende-se de 1128 a 1411, o 2.º de 1411 a 1557, o 3.º
vai de 1557 a 1640, o 4.º
de 1640
a 1815, o último de 1816 a 1918. Quer dizer: a primeira
cesura desloca-se da revolução de 1385
(onde aliás se reconhece o começo de nova idade) para a paz com Castela, reconhecimento
diplomático de uma situação de facto bem firmada e por isso pouco relevante». In
Vitorino Magalhães Godinho, Ensaios, Sobre a História de Portugal, Livraria Sá
da Costa, Lisboa, 1ª Edição, 1968.
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