jdact
Os Bastardos de Borgonha
«(…) Também não vale a pena dizer que ele foi um santo, embora tenha
havido quem o quisesse canonizar, porque, antes e depois do seu casamento
com D. Mafalda, filha de Amadeu III, conde de Sabóia e Moriana, a que os
estrangeiros chamam Matilde, Afonso
Henriques foi pai de vários bastardos. Mais exactamente: quatro,
segundo assevera a História Genealógica da Casa Real Portuguesa, dois rapazes e
duas raparigas. As bastardas do primeiro rei seriam ambas filhas de Elvira
Gualter, chamando-se Teresa Afonso,
uma, e Urraca Afonso, a outra.
Terão nascido quando o monarca já estava casado, sendo por isso filhas
adulterinas. Há, porém, quem sustente que só vieram ao mundo depois de Afonso Henriques enviuvar, a 4 de
Novembro de 1157. D. Teresa Afonso
casou duas vezes, com Sancho Nunes Barbosa e, depois, com Fernando Martins Bravo,
mas morreu sem geração, embora António Caetano Sousa afirme que do seu primeiro
casamento nasceu uma D. Urraca Sanches. Mas esta, mulher de Gonçalo Sousa e mãe
de Mendo Sousa, o Sousão, era filha
de D. Sancha Henriques, irmã de Afonso I, e, portanto, sobrinha do primeiro rei
de Portugal.
Quanto a D. Urraca Afonso, foi senhora de Avô, que recebeu em 1185 e trocou posteriormente pela vila
de Aveiro, tendo casado com Pedro Afonso Viegas, neto de Egas Moniz. Foi mãe
de Abril Pires Lumiares, Aldara Pires e Sancha Pires. Desta última procedem
muy ilustres Casas do nosso Reyno, e o
de Castella. Quanto aos dois filhos ilegítimos de Afonso Henriques, referidos pela História Genealógica, um
chamava-se Afonso e o outro Fernando Afonso. Este, diz
António Caetano Sousa, foi alferes-mor do reino e dele não sabemos outra notícia. Afonso,
por seu turno, foi 11º mestre da insigne
Ordem Militar de São João de Rhodes, eleito no ano 1194. A verdade, porém, é
que estes dois bastardos podem ser uma e a mesma pessoa, segundo afirma José
Mattoso, na peugada de Ariel Castro, um professor brasileiro que identificou o alferes-régio Fernando Afonso
com aquele que até então se considerava outro bastardo, Afonso, e que se tornaria
grão-mestre da Ordem do Hospital. Fernando
Afonso é o filho que os livros de
linhagem atribuem ao concubinato de Afonso Henriques com Chamôa Gomes, filha de
Gomes Nunes Pombeiro, o antigo conde de Toroño, e sobrinha de Fernão
Peres de Trava, o amante de D. Teresa, mãe do rei.
Esta Chamôa Gomes, a quem Diogo Freitas Amaral, na sua biografia
do monarca, prefere chamar Flâmula, terá, sido, segundo apurou, não
se sabe como, o grande amor de Afonso
Henriques, que com ela terá vivido em união
de facto entre 1138 e 1145. Só não casou com ela,
sustenta ainda Freitas Amaral, com fundamentos que também não desvenda, porque
a Igreja se opôs a esse casamento. A barregã
régia, antes de o ser, casara com Paio Soares da Maia, havendo três filhos
desse casamento, um dos quais foi alferes-mor do rei Fundador. Após enviuvar,
afirma o Livro Velho de Linhagens, Chamôa meteu-se monja em Vairão, e fez em drudaria, quer dizer, sem estar casada, um filho com Mem
Rodrigues Togues, chamado Soeiro Mendes Facha. Depois, também em drudaria, fez um filho com o rei Afonso de Portugal, que houve o nome de
Fernando Afonso.
Este Fernando Afonso
terá nascido por 1140, o ano em que
seu pai concedeu foral a Barcelos e se travou o torneio de Arcos de Valdevez.
Por 1159 apareceu pela primeira vez na
corte e, em 1169, foi feito
alferes-mor, depois da derrota sofrida em Badajoz por Afonso Henriques, que levou, aliás, à sua prisão pelo rei de Leão,
seu genro. Com o pai fisicamente muito debilitado e irremediavelmente
inabilitado para combater, Fernando
Afonso poderá então ter surgido, aos olhos de muitos, como o defensor
do reino e o natural sucessor de Afonso
Henriques, de quem era o filho primogénito. Tal seria a posição dos cavaleiros
templários e dos fidalgos minhotos. Mas prevaleceram os direitos de Sancho, o filho lídimo (ou legítimo)
do rei Fundador, que contava com o apoio dos freires de Évora, dos cavaleiros
de Santiago e dos magnatas do sul de Portugal. O pai armou-o cavaleiro em 1170 e partilhou com ele o poder em 1173, um ano depois de Fernando Afonso ter sido desautorizado
e despromovido, passando de alferes-mor a simples alferes do herdeiro do trono.
Após a morte de Afonso Henriques, em
1198, Fernando Afonso abandonou o reino de seu meio-irmão para se
tornar vassalo do rei de Leão, seu cunhado, o que segundo alguns historiadores,
provaria que o bastardo não acatava o poder e a autoridade de Sancho I.
Mas tudo isto é, segundo Mattoso, confuso e incerto». In
Isabel Lencastre, Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos dos Reis de Portugal,
Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de Oficina do Livro/JDACT