Dados
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Tocam os sinos do meio-dia. Também Odetta, a irmã mais nova de Pietro, regressa
a casa da escola (o Instituto das Marcelinas). É dulcíssima e inquietante a
pobre Odetta; tem uma testa que parece uma caixinha cheia de inteligência
angustiada, aliás, quase de sabedoria.
Como os filhos dos pobres, que rapidamente são adultos e já sabem tudo da vida,
por vezes, também os filhos dos ricos são precoces, envelhecidos pela velhice
da sua classe: vivem, portanto, como uma espécie de doença, mas com ironia,
análoga à doce alegria das crianças pobres, uma espécie de código não escrito
mas conhecido instintivamente de cor. Odetta parece ocupada principalmente a
esconder tudo isto: esforço que todavia não é coroado de sucesso, porque é este
mesmo esforço visível o espião da sua verdadeira alma. Se o seu rosto é oval e
bonito (com algumas sardas que a tornam de certo modo convencionalmente
poética), os olhos grandes, de pestanas compridas e o nariz curto e preciso, a
boca é, pelo contrário, uma revelação quase embaraçosa daquilo que Odetta é
realmente: não que seja feia esta boca, aliás, é extremamente graciosa: no
entanto, um pouco monstruosa, pronto: é tão pronunciada e particular que nem
por um instante passa despercebida, com aquele lábio inferior reentrante, como as
bocas dos coelhinhos ou dos ratos: trata-se, enfim, da prega divertida do humorismo,
ou seja, da consciência amargurada e disfarçada do próprio nada, sem cujo cariz
cómico Odetta não poderia viver.
Assim,
agora pela estrada, regressando ao mesmo tempo que o irmão Pietro, Odetta tem
todos os sinais exteriores e comuns de uma rapariguinha muito rica, a quem é
consentido pela família (por um certo snobismo) vestir-se e comportar-se de
forma, digamos, moderna (apesar das Marcelinas). Odetta também tem um namorado
que a corteja: um amável e alto ídolo da sua classe social e da sua raça. À
volta deles está igualmente o grupo dos companheiros e companheiras,
adolescentes apenas que já se comportam de modo totalmente natural à maneira de, sem dúvida, reproduções
perfeitas dos seus pais. A conversa entre Odetta e o seu galanteador imberbe
relaciona-se com um álbum de fotografias, que Odetta aperta ciosamente, junto
aos livros da escola. Um álbum com a capa de veludo, repleto de gatafunhos art nouveau cor-de-rosa e vermelhos.
Este álbum está completamente vazio, ainda: como é evidente, foi acabado de
comprar numa papelaria. Só a primeira página está inaugurada, por uma grande
fotografia: a fotografia do pai.
O
galanteador brinca um pouco acerca deste álbum, como se soubesse bem que se trata
de uma velha mania da rapariga; quando, porém, se torna apenas um pouco mais
audaz, um só gesto, uma só palavra, junto de uma fonte de pedra escura, sob
filas de pequenas árvores que parecem de metal, Odetta afasta-se, fugindo. A
sua fuga é elegante e caprichosa, perfeitamente sem significado, mas na
realidade escondendo um terror verdadeiro. E também a sua frase, dita entre os
amiguinhos e as amiguinhas ao galanteador, inflamado, que a persegue, não gosto
de homens, é dita com insolência e humor refinado: contudo, é claro que, de
alguma forma, esconde uma verdade». In Pier Paolo Pasolini, Teorema, 1968, 1991,
1994, Quasi Edições, tradução de Ana Tanque, biblioteca Metamorfose, 2005, ISBN
989-552-105-7.
Cortesia
de QuasiEdições/JDACT