Sétimos
Aforismos
«Haver
uma prova logica; decisiva; decisória, acerca da existência de Deus, seria a
maior brutalidade deste mundo. Com efeito, se tal prova fosse possível, (claro
que, graças a Deus, não é possível), a solução do problema de Deus, podia ser
imposta, a todos os homens, pela força. Pela força da lógica! Ora, com
franqueza, era o que faltava.
Em
matéria de Metafísica, ai!: sabe mais um simples analfabeto, morto, a dormir,
do que um senhor letrado, vivo e acordado.
Eu
não me importo que eles digam que o homem vem do macaco. Importo-me é que digam
que vai para macaco. Que vai para macaco? Ou seja: que a alma humana evoluída;
já racional sofra afinal..., morte animal; morte macaca.
Seria
tão escandaloso, ontologicamente, que Deus e a vida além da morte não
existissem, que até o próprio Nada seria o primeiro a proibir que os mortos se
dessem conta desse escândalo; tomassem consciência dessa verdade (se ela fosse
verdade).
Deus?
Isso..., é pura poesia! Nesse caso..., demonstra-se que Deus na realidade
existe.
E
como... se demonstra? Silogisticamente! Silogisticamente? E que é das
premissas? A menor, foi-me dada por você (poeta menor): Deus é pura poesia. A maior, é-me dada por Novalis (poeta maior):
quanto mais poético, mais real; quanto
mais poético, mais verdadeiro.
Se
existissem provas da existência de Deus, (provas válidas, entenda-se, provas a
valer,) eu comprava uma. Existem. Mas
estás enganado. Não compras nenhuma. São muitas caras! Muito caras? Quanto
custam? Todo o dinheiro. Todo o dinheiro? Todo o dinheiro.
Como
é que se prova a existência de Deus? Como é que se prova? Provando. Mas
provando..., como? Provando..., saboreando..., Ai não é com argumentos? É com
sabores? Sim, com sabores. Aliás, com sabor. Não era melhor..., com saber? Só
se o saber..., tiver sabor! E se o saber..., for sem sabor? É sensabor! Não
sabe a nada. Nem sabe nada...
Li
ontem uma bela poesia de Natal; e gostei de saber e saborear que o autor era
ateu. Se fosse crente o poeta, ao fazer aqueles versos não fazia mais do que
uma espécie de obrigação... Mas, sendo ateu, foi devoção!
É
impossível que Deus exista. É impossível, de acordo. Mas Deus..., talvez exista,
por isso mesmo. Por isso mesmo?! Pois. Ora repare: se fosse possível Deus
existir, isso é que até parecia mal..., sim, como que até ficava mal..., que
Deus existisse! Porquê?! Porque era uma coisa..., demasiado fácil! Não era,
digamos, nenhum milagre...» In Vicente Sanches, Van Gogh e Sétimos
Aforismos, edição numerada com nº 000051, Gráfico de S. José, Castelo Branco,
1990.
Cortesia
de G S.José/JDACT