sexta-feira, 12 de junho de 2015

Grandes Soberanos Destronados Sancho II de Portugal. Américo Faria. «Faltara-lhe belicosidade para enfrentar o inimigo exterior e dilatar os domínios do reino, mas sobejara-lhe autoridade para se impor e dominar os inimigos internos. Sancho II, ao invés, mostrou-se desde logo um guerreiro, um chefe militar à altura»

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«(…) Dir-se-ia que só os ministros estavam com o rei-infante. O resto da nação parecia empenhado em destruir aquilo que os três reis antecessores, com tanto trabalho e energia, tinham construído: um reino criado numa pequena parcela de terreno da Europa, e que, apesar disso, havia, ao diante, de Provocar o assombro e a admiração dos outros povos pelos audaciosos feitos que os seus filhos souberam realizar. Depois de se sujeitarem os regentes à concórdia, de condições humilhantes para o poder, com o clero de Coimbra, um dos ministros responsáveis, sobre o qual incidia mais fortemente a aversão de uns tantos poderosos, viu-se coagido a abandonar o seu cargo: Pedro Anes. O jovem rei passou a outras mãos, as da família Mendes Sousa, e, ainda que faltem documentos directos da anarquia que lavrou nesse período do reinado de Sancho II, os documentos posteriores, que se referem ao tempo em que el-rei Sancho andava roubado, provam que a anarquia existia, e que as diversas facções se arrancavam umas às outras o monarca infantil para, em seu nome, se assenhorearem do governo.
Tal situação, é óbvio, não podia durar sempre. O filho de Afonso II foi crescendo, desenvolvendo os seus naturais dotes de inteligência e adquirindo vontade própria. Esta, porém, voltava-se inteiramente para as artes da guerra.
O pai mostrara-se mais à vontade nas lutas civis, governando com indomável energia. Faltara-lhe belicosidade para enfrentar o inimigo exterior e dilatar os domínios do reino, mas sobejara-lhe autoridade para se impor e dominar os inimigos internos. Sancho II, ao invés, mostrou-se desde logo um guerreiro, um chefe militar à altura, deixando aos ministros a solução dos negócios domésticos. O soberano, que não foi um cobarde, de qualquer ângulo que se encare o seu vulto, rei cavaleiro, brilhava nas arrancadas contra os moiros, mas era incapaz de sustentar uma luta insignificante contra um bispo. Com dezasseis anos de idade, já então aliado de Fernando II de Castela, com vista à expulsão dos muçulmanos, que constituíam certos focos algo importantes encravados nas terras dos dois reinos, capitaneou a expedição militar e tomou Elvas para a coroa portuguesa. São unânimes os testemunhos que atribuem grande valor militar a Sancho nessa empresa, coroada de tão bom resultado, como, aliás, sucedeu em todas em que participou. Houvesse o rei infeliz tido pulso tão firme como firmeza revelava no manejo da espada e outro teria sido o seu destino e glória.
Não se depreenda, no entanto, que Sancho II seria um tíbio de carácter. Por mais de uma vez, a sua vontade pessoal se opôs às pressões e intrigas de varia ordem, acabando por levar a sua avante. Assim aconteceu, por exemplo, com a nomeação dos ministros, que voltaram a ser os que tinham servido com o seu pai e nos quais ele confiava em absoluto. Não puderam esses homens, infelizmente, dominar a situação anárquica em que o país vivia. Donde menos se esperava surgiam os obstáculos, os trabalhos. Campeavam as cabalas e afloravam as ambições. Com circunstâncias tão favoráveis ao rebentar das paixões, recomeçaram as lutas com o clero, o qual nem sempre levou a melhor». In Américo Faria e Herdeiros, 1958, Dez soberanos destronados, Grandes Soberanos Destronados, Edições Parsifal, Lisboa, 2014, ISBN 978-989-8760-00-5.

Cortesia de Parsifal/JDACT