quarta-feira, 2 de setembro de 2015

O Mito Maçónico. Jay Kinney. «… pelo menos se não confundirem muito os factos históricos, mas outras explicações, criadas pelos críticos antimaçónicos, são perigosas…»

jdact

«Em 2001, um mês depois de ter sido iniciado na Franco-Maçonaria, eu e a minha mulher fomos até Inglaterra. Aparentemente, o nosso hotel londrino encontrava-se a pouca distância do edifício de Freemason’s Hall o impressionante quartel-general da Grande Loja Unida de Inglaterra, a orientadora maçónica britânica. De modo geral, há visitas guiadas a Freemason’s Hall todos os dias, mas, por acaso, quando lá fomos, essas visitas não estavam disponíveis. Era o dia das comunicações trimestrais, para as quais se reúnem representantes de lojas e corpos provinciais de toda a Inglaterra. Disseram-nos para voltar noutro dia. Nesse momento, uma visão curiosa desenrolou-se diante dos nossos olhos, enquanto nos preparávamos para descer a escadaria até à rua. Uma série de táxis pretos estacionou à beira do passeio, à frente de Freemason's Hall, e de dentro deles saíram diversos passageiros quase idênticos, como se fossem os proverbiais Homens de Negro: vestidos com fatos e gravatas pretas, todos com pastas pretas nas mãos. Os homens, todos maçons, subiram a escadaria à pressa e entraram em Freemason’s Hall, enquanto que na rua mais táxis estavam a parar e a deixar sair mais maçons vestidos de preto.
Pensei: isto é a vida real ou, sem saber como, entrei num filme dos Monty Python? Aos meus olhos norte-americanos, aquela cena era quase cómica, mas, ao mesmo tempo, provocou-me um arrepio na espinha. A Franco-Maçonaria tem sido sempre acusada de ser um culto e o que acabara de ver não ajudava a dispersar essas acusações. Em que raio é que me fui meter?, pensei. Não demorei muito tempo a desmontar a estranheza desse episódio. A reunião trimestral estava prestes a começar. A maioria dos maçons devia ter vindo de comboio até Londres e apanhado táxis das estações ferroviárias até Freemason’s Hall. A maioria dos táxis de Londres é preta (e por razões que nada têm a ver com a Franco-Maçonaria). Ao contrário da Franco-Maçonaria norte-americana, a inglesa exige um código de vestuário simples, mas formal para as reuniões: daí os fatos pretos e as gravatas, aliás, o simples facto de toda a gente usar a mesma roupa serve para criar um espírito de fraternidade; em especial numa cultura ainda arreigada às convenções distintivas de classe. Então e as pastas? Tratavam-se das pastas em que eles levavam os aventais cerimoniais (que remetem para os aventais de trabalho dos pedreiros medievais, os supostos antepassados da Franco-Maçonaria).
Todavia, só passados muitos anos é que encontrei resposta para a pergunta que fiz nessa altura: Em que raio é que me fui meter? Há uma série de perguntas legítimas que são, imediatamente, formuladas quando se começa a querer compreender o que é, de facto, a Franco-Maçonaria. É mesmo urna sociedade secreta e se é, para quê tanto secretismo? De onde é que originou, na verdade? Para quê tantos rituais e aparatos estranhos? Qual é a razão dos nomes grandiosos dos graus e dos títulos oficiais? Qual é o motivo para que existam tantos graus iniciáticos diferentes, tantas ordens e organizações maçónicas? Ao fim e ao cabo, qual é o objectivo disto tudo? Será que existe alguma recompensa secreta que justifique a quantidade de tempo e esforço que ogastos ao longo dos séculos para manter esta enigmática instituição? Porque as respostas a estas questões não são fáceis de encontrar, até para maçons, quanto mais para profanos, um muro de pseudo-respostas tem sido construído para preencher essas lacunas. Algumas são inofensivas, como as especulações imaginativas dos historiadores alternativos, pelo menos se não confundirem muito os factos históricos, mas outras explicações, criadas pelos críticos antimaçónicos, são perigosas. E não apenas para os maçons, mas para a sociedade, em geral. Os nazis subiram ao poder na Alemanha por fazerem dos judeus e dos maçons os seus bodes-expiatórios e hoje em dia os locais de reuniões das lojas maçónicas têm sido alvo de atentados de fundamentalistas islâmicos. Acusações negras sobre a Franco-Maçonaria ser um culto satânico ou uma ferramenta das elites mais poderosas são receitas de sucesso para os escritores de best-sellers, mas essas historietas só servem para envenenar a opinião pública com declarações ilusórias e más interpretações paranóicas.
É claro que toda a gente gosta de uma boa história, o que, em parte, explica a popularidade de livros como os de Dan Brown, por exemplo. As fraternidades secretas podem ser excelentes assuntos para histórias de suspense, mas é preciso lembrar que as histórias são, bem vistas as coisas, ficções. Um romancista pode pôr-nos os cabelos em pé com as ligações suspeitas que vai criando nas suas ficções, e se for mesmo talentoso, é bem capaz de nos fazer acreditar nelas. Mas assim que fechamos o livro, é bom deixar as coisas fictícias lá dentro. De qualquer das formas, diz-se que a realidade é mais estranha do que a ficção. Vamos ver se isso é verdade». In O Mito Maçónico, Jay Kinney, 2009, tradução de David Soares, Saída de Emergência, 2010, ISBN 978-989-637-176-0.

Cortesia de SEmergência/JDACT