Reavaliação dos Critérios de Produção
Literária do Século XVI
«(…)
Um segundo ataque a Buarcos vem
demonstrar que só a Sabedoria soube fazer frente à ofensiva protestante,
provando assim que foi mais forte o poder das Letras que o poder do dinheiro.
Vejamos porquê: a Academia soube do assalto e lança-se Mondego abaixo sob o
comando do próprio Reitor. Era tal o terror que inspirava este exército de
Sabedoria que o próprio Gerião, monstro que domina o Mondego, se rende e
entrega as suas armas para auxílio do combate (curiosamente o ano da entrada
de Francisco Machado no noviciado da Companhia em Coimbra, Gerião é o gigante
dominado por Hércules algures no extremo Ocidente, região por muitos identificada
com uma parte da Península Ibérica; segundo o artigo, a acção passa-se na região
entre Lisboa e Coimbra, representadas pelos rios Tejo e Mondego. Monda
prologus é precisamente o símbolo da região dominada por Gerião, tirano de
toda a Hispânia; em Maio de 1629, o
Colégio das Artes dedica uma representação desta écloga ao Reitor da
Universidade; estaria portanto viva na memória do orador e dos seus ouvintes, a
imagem deste monstro do Mondego, dominador do académico promontório). A este exército não faltavam a coragem
nem vontade de lutar, o que não chega a fazer, porque o inimigo, à visão de
tais forças, desiste do combate e deita-se ao mar em fuga.
[…]
O testemunho de Manuel Severim Faria vem
confirmar a existência deste ataque bem como a origem dos piratas. Com efeito,
Joaquim Veríssimo Serrão na sua História de Portugal fala-nos de
um ataque de ingleses a Buarcos em fins de Maio, mas nas fontes que indica não
encontrámos qualquer referência à origem das quatro naus inimigas (que) botaram gente em Buarcos. A obra de
Faria vem pois confirmar o testemunho de Francisco Machado segundo o qual os
inimigos eram holandeses. A este ataque, como afirma Machado a custo alguém houve que (...) fizesse
frente; por isso, a série de questões que o orador levanta ao auditório para
que este conclua que a Sabedoria é o nervo
da guerra, tem o seu fundamento. Com efeito, a população da costa não se
defendeu devidamente, como afirmam António Santos Rocha e Veríssimo Serrão.
Houve gente que não quis combater e por isso foi castigada.
António Santos Rocha e Veríssimo Serrão
fazem-nos crer que teria havido somente um ataque a Buarcos no ano de 1629, o que transformaria a secunda
irruptio de que nos fala Machado em um artifício literário bem excogitado,
para comprovar que, com a assistência da Sabedoria, da Academia em pessoa, todas
as guerras seriam vitoriosas. Mais uma vez, porém, o manuscrito de Faria faz luz
sobre esta questão e confirma a versão de Francisco Machado, referindo uma
tentativa de ataque a 7 de Junho e o pronto auxílio de Coimbra de onde
acudiram o Corregedor com gente da cidade, fidalgos e nobres e o Reitor da
Universidade com alguns mestres por capitães de 420 estudantes. Foi a este
segundo ataque, e não ao de Maio, como afirma Veríssimo Serrão, que
acorreu a Academia.
Contudo
logo aos 7 de Junho, vendo outra semelhante bonança, deram mostras de querer
sair em terra, porem como já o mal passado nos tinha feito vigilantes, foi logo
dado rebate em Coimbra, donde acudiram com suma presteza o Corregedor com a
gente da cidade, de Infantaria por mar, e os de Carvalhos / em que estavãom os
fidalgos, e nobres / por terra. O Reytor da Universidade Francisco Brito
Meneses se embarcou também em quize barcas com os estudantes que então havia, que
por ser no fim do anno erão já poucos, mas ainda assy passarão de 420 de que
forão por Cappitães André Almeida, o Doutor Francisco Roiz Valladares, António
Silveira, Francisco Cabral, e Nuno Cunha, Estêvão Cunha; sargentos Gaspar Pinto
Fonseca, e Jerónimo Silva: o General de todos era o mesmo Reytor que ia diante em
corpo com um bastão na mão. In Faria»
In Carlota Miranda Urbano, Piratas em
Buarcos, Digressão Épica na Oração de Sapiência do padre Francisco Machado,
1629, Revista Humanitas, volume XLIX, 1997, Universidade de Coimbra.
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