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A
Invasão. 1096-1100
«(…)
Embriagado pelo sucesso, Kilij Arslan quer ignorar as informações que se
sucedem, no Inverno seguinte, a respeito da chegada de novos grupos de franj em Constantinopla. Para ele, e
mesmo para os mais sábios de seus emires, não há mais nada com que se
preocupar. Se outros mercenários de Aléxis ousassem ainda transpor o Bósforo,
seriam feitos em pedaços como aqueles que os precederam. No espírito do sultão,
é tempo de voltar às preocupações cruciais do momento, isto é, à luta sem mercê
que trava desde sempre contra os príncipes turcos, seus vizinhos imediatos. E
ali, e em nenhum outro lugar, que será decidido o destino de seu domínio. Os
confrontos com os rum ou seus
estranhos auxiliares franj nunca
passarão de um intermédio. O jovem sultão está bem colocado para sabê-lo. Não
foi num desses intermináveis combates de chefes que seu pai Suleiman perdeu a
vida em 1086? Kilij Arslan tinha então apenas sete anos, e deveria ter assumido
a sucessão sob a regência de alguns emires fiéis, mas fora afastado do poder e
levado para a Pérsia sob pretexto de que sua vida corria perigo. Adulado,
cercado de cuidados, servido por uma legião de escravos atenciosos, ainda que estreitamente
vigiado, com interdição formal de visitar seu reino. Seus hospedeiros, ou
melhor, seus carcereiros, não eram senão os membros de seu próprio clã: os
seldjúcidas.
Se
há, no século XI, um nome que ninguém ignora, das fronteiras da China ao
longínquo território dos franj, é
esse. Vindos da Ásia Central com milhares de cavaleiros nómades de longos
cabelos trançados, os turcos apossaram-se em alguns anos de toda a região que
se estende do Afeganistão ao Mediterrâneo. Desde 1055, o califa de Bagdad,
sucessor do Profeta e herdeiro do prestigioso império abássida, e apenas um
boneco dócil em suas mãos. De Ispahan a Damasco, de Niceia a Jerusalem, seus emires
ditam a lei. Pela primeira vez em três seculos, todo o Oriente muçulmano está
reunido sob a autoridade de uma única dinastia que proclama sua vontade de
devolver ao Islão sua glória passada. Os rum, esmagados pelos seldjúcidas
em 1071, nunca se recuperaram. A Ásia Menor, a mais vasta de suas províncias,
foi invadida; sua própria capital não esta mais em segurança; seus imperadores,
entre os quais o próprio Alexis, não cessam de enviar delegações ao papa de
Roma, chefe supremo do Ocidente, suplicando-lhe que convoque a Guerra Santa contra
esse ressurgimento do Islão.
Kilij
Arslan não se sente pouco orgulhoso por pertencer a uma família tão
prestigiosa, mas também não se ilude quanto a aparente unidade do império
turco. Entre os primos seldjúcidas não se conhece solidariedade alguma: é
preciso matar para sobreviver. Seu pai conquistou a Ásia Menor, a vasta
Anatólia, sem a ajuda de seus irmãos, e foi por ter querido estender-se para o
sul, em direcção à Síria, que ele foi morto por um de seus parentes. E, enquanto
Kilij Arslan era mantido à força em Ispahan, o domínio paterno foi despedaçado.
Quando, em fins de 1092, o adolescente foi solto graças a uma contenda entre
seus carcereiros, sua autoridade não se exerce além das muralhas de Niceia. Ele
tinha então apenas 13 anos. Depois, foi graças aos conselhos de emires do seu
exército que pode, por meio da guerra, do crime ou da astúcia, recuperar uma
parte do legado paterno. Hoje, ele pode se gabar de ter passado mais tempo
sobre a sela de seu cavalo do que em seu palácio. No entanto, quando chegam os franj,
nada ainda está definido. Na Ásia Menor seus rivais continuam poderosos, mesmo
que, felizmente para ele, seus primos seldjúcidas da Síria e da Pérsia estejam
mergulhados em seus próprios conflitos.
Notadamente,
a leste, nas alturas desoladas do planalto da Anatólia, reina nesses tempos de
incerteza um estranho personagem a que chamam Danishmend, o Sábio, um
aventureiro de origem desconhecida que ao contrário dos emires turcos, que na
maioria eram analfabetos, é instruído nas mais diversas ciências. Ele vai em
breve tornar-se herói de uma epopeia célebre, intitulada A Gesta do Rei
Danishmend, que descreve a conquista de Malatya, uma cidade arménia situada
a sudeste de Âncara e cuja queda é considerada pelos autores da narrativa como
a curva decisiva da islamização da futura Turquia. Nos primeiros meses de 1097,
quando se deu a chegada em Constantinopla de uma nova expedição franca, era
anunciada a Kilij Arslan que a batalha de Malatya já se abrira. Danishmend
cerca a cidade, e o jovem sultão recusa a ideia de que este rival, que se
aproveitou da morte de seu pai para ocupar todo o Nordeste da Anatólia, possa
alcançar uma vitória tão prestigiosa. Determinado a impedi-lo, dirige-se à
frente de seus cavaleiros para as cercanias de Malatya e instala seu
acampamento próximo ao de Danishmend a fim de intimidá-lo. A tensão aumenta, as
escaramuças multiplicam-se, cada vez mais mortais». In Amin Maalouf, As Cruzadas
vistas pelos Árabes, 1983, Colecção História Narrativa, nº 38, Reimpressão,
Edições 70, Ensaio, 2016, ISBN-978-972-441-756-1.
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