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O
castelo de São Jorge. Um gigante de vigia à cidade
«(…)
Destacando-se dentro do castelo, o castelejo é hoje uma imponente visão. De
origem islâmica, foi construído no século XI mas as sucessivas reconstruções
cristãs não permitem hoje saber com exactidão a cronologia de cada torre, pano
de muralha ou escada. Construído como último reduto de uma alcáçova invadida, acabou
por nunca exercer a sua função original mas toda a sua construção faria dele um
local muito difícil de conquistar. Quem tentasse conquistar o castelejo teria
de começar por dar a volta ao edifício, já que a entrada actual e a ponte de
acesso foram obra dos anos 30. Na verdade, o invasor teria de entrar pelo lado
direito e, além de transpor o fosso e conseguir passar a ponte levadiça, teria
ainda de conquistar a porta aberta na barbacã, uma primeira muralha equipada
com seteiras que protegia o lado mais acessível do castelejo. Uma vez lá
dentro, ainda era necessário conquistar mais uma porta para entrar no
castelejo, e esta estava do outro lado da fortaleza, pelo que havia que dar novamente
a volta ao edifício.
Chegando
à entrada para o coração do castelejo entrava-se num pequeno pátio e ainda
seria preciso transpor uma terceira porta para conseguir entrar numa das duas
praças que compunham o castelejo. Todo este processo seria feito debaixo de uma
chuva de setas, pedras e qualquer outro objecto à mão de quem defendia a praça
do topo das torres e ao longo do adarve, o caminho que percorria as muralhas. A
divisão do interior do castelejo em duas praças permitia um maior controlo, já
que possibilitava uma melhor comunicação entre as várias torres e criava ainda
mais uma dificuldade ao invasor, que teria de abrir mais uma porta para chegar
à segunda praça. A menos que optasse por entrar pela pequena Porta da Traição,
tão famosa nos castelos portugueses e que ainda hoje se pode ver aberta na
muralha da segunda praça.
O
castelejo seria protegido por 10 torres que assumiam especial importância no
lado da entrada para proteger a barbacã, e que eram a principal defesa do lado
Norte juntamente com o declive acentuado da colina. O acesso a um ponto de água
era assegurado por uma torre couraça, que estava afastada do corpo principal do
castelo mas ligada a ele através de uma muralha. Esta torre tem hoje o nome de
Torre de São Lourenço, e acabou por ser integrada da Muralha Fernandina do
século XIV. Quem se detém na ponte de pedra vê à sua frente a Torre de Ulisses,
ou Torre do Tombo, onde hoje funciona a Camara Obscura, um periscópio que
permite ver a cidade a 360 e ao perto. À sua esquerda está a Torre do Paço,
assim chamada pois ainda esteve integrada no paço real, tal como o edifício que
preenchia o espaço entre as duas. É por isso que, hoje em dia, um olhar mais
atento percebe que as ameias que as ligam são na verdade parapeitos das janelas
que ainda restam deste edifício, que também chegou a albergar o Arquivo Régio.
À
direita da Torre de Ulisses encontra-se a Torre de Menagem, a mais importante
dos castelos medievais por ali estar hasteada a bandeira do seu senhor. Ali foi
instalado, em 1779, o primeiro observatório Astronómico de Lisboa com o
patrocínio de dona Maria I e da Academia das Ciências de Lisboa. No seguimento
da Torre de Menagem estava a Torre da Cisterna, no canto do castelejo, onde
ainda é possível ver a água que ali se armazena. Em todo este conjunto é
impossível ignorar a magnífica vista sobre a cidade. Quem hoje atravessa os caminhos
de ronda ou se aventura nas escadas da torre de São Lourenço tem a oportunidade
de olhar para baixo e imaginar a cidade medieval encavalitada na colina,
rodeada dos verdes campos, que, entretanto, foram sendo reclamados pela cidade
e os seus habitantes». In Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos
de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.
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