quarta-feira, 3 de agosto de 2016

As Filhas do Graal Elizabeth Chadwick. «Claire viu que a cor no seu rosto era intensa e o sorriso tão fixo e nervoso como o dela. Beatrice colocou um copo de vinho quente entre as mãos de Claire. Bebe e toma coragem, sussurrou»

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As Montanhas Negras do Alto Languedoc. Verão de 1207
«(…) Este é um dia feliz para mim. Beatrice beijou Claire afectuosarnente. Estou mais do que orgulhosa de te chamar minha nova filha. Claire tentou sorrir, mas o seu estômago estava apertado em centenas de nós. Gostava de Beatrice, mas ela não substituía a sua própria mãe, Alianor, que partiria no dia seguinte. A âncora de Claire deveria ser agora a sua nova família, mas ela sentia-se como se tivesse sido deixada à deriva num vasto e perigoso oceano. Pensar em Raoul deixava-a trémula. O que diriam um ao outro? Ou será que não teriam de dizer nada? As criadas trocavam risinhos enquanto salpicavam a cama de ervas, para promover a fertilidade. Claire não era ignorante. Alianor encontrara-se sozinha com ela várias semanas antes do casamento para explicar todas as alegrias e deveres de se ser uma esposa. Ela vira animais a acasalar no pátio e galos galarem as galinhas. Uma vez, nos estábulos, surpreendera um palafreneiro a erguer-se de entre as pernas abertas de uma criada da cozinha, por isso sabia o que acontecia aos homens quando excitados. A sua mãe dissera que o acto era, supostamente, um prazer, mas Claire não conseguia imaginar como seria isso possível. Se tinha de haver sangue, de certeza que estaria envolvida alguma dor. As suas damas soltaram-lhe o véu de gaze e grinalda de flores de ouro do cabelo e a mãe levou urna escova às ondas castanhas para as pentear e lhes dar lustro.
Filha, tu és bela, disse Alianor como que por entre uma névoa. Estou tão orgulhosa de ti. Quem me dera que aqui estivesse o teu pai para ver o dia do teu casamento. Claire engoliu em seco, incapaz de responder. Normalmente recordava o pai, que falecera cinco anos antes, com suave e melancólica afeição, mas nessa noite não tinha espaço na sua mente para mais nada excepto o seu próprio medo. Obedientemente, erguia e baixava os braços sob as ordens das mulheres e viu as roupas amontoarem-se sobre o seu suporte até ficar nua. Perto do fogo, não estava frio, mas a sua pele estava toda arrepiada. Fresca seda deslizou-lhe pelos ombros quando foi enfiada num largo roupão, e o cabelo penteado por cima dele era uma faixa de cor resplandecente. Sentia-se dormente. As pessoas falavam com ela, mas não ouvia o que lhe era dito. A porta foi aberta de rompante por um turbulento grupo de homens, Raoul enfiado no meio deles e nu por baixo da sua capa. Um estridor de ruidosas gargalhadas e bem-humorados gracejos encheu o quarto. Arriscando um rápido olhar a Raoul, Claire viu que a cor no seu rosto era intensa e o sorriso tão fixo e nervoso como o dela. Beatrice colocou um copo de vinho quente entre as mãos de Claire. Bebe e toma coragem, sussurrou.
Claire ergueu o copo e bebeu. O gosto da canela e do quente vinho tinto inundou-lhe a língua. Raoul juntou-se a ela e retirou-lhe o copo das mãos, levando os lábios ao local onde ela bebera. Ao mesmo tempo, colocou a mão livre na sua cintura. Os jovens convidados, e alguns dos mais velhos, que tinham trazido os seus copos, brindaram um encorajamento. Claire corou. A palma de Raoul parecia queimar através do fino robe de seda até à sua espinha. O padre Otho começou a abrir caminho à cotovelada até ao centro para executar a bênção que limparia e purificaria o leito matrimonial e abençoaria quaisquer frutos ali gerados. Estava embriagado, com os olhos pretos húmidos e desfocados. Ora, ora. Olhava lubricamente para Claire. Parece que foi há um momento que era um pequeno botão no seu caule e agora vede a rosa aberta, pronta para ser muito bem colhida! Enfiou o polegar da mão direita no punho fechado da esquerda num gesto que era inequívoco. Fúria e vergonha cresceram no peito de Claire. Podia aceitar gracejos ligeiros; faziam parte da tradição nupcial. Todos os noivos e noivas eram provocados na sua noite de núpcias, mas não pelo padre, de rosto congestionado de álcool e luxúria. Raoul ia investir contra ele, mas foi contido pela mão da mãe no seu braço. Berenger de Monvallant disse por entre os dentes cerrados: padre, sugiro que se confine às palavras de bênção. Otho tentou endireitar-se, mas apenas conseguiu encostar-se a um dos convidados. Que falta de sentido de humor, balbuciou, enquanto tentava precariamente manter o equilíbrio. Esticando o lábio inferior como uma criança amuada, aproximou-se do leito e deu início à bênção. Atropelou as palavras e não as disse nem na ordem nem na forma correcta, antes de salpicar a cama ao acaso com água benta. Respirando tão ruidosamente como um mastim, apresentou a Claire e Raoul uma cruz, para a beijarem.
Claire sentiu-se nauseada. Não teria ficado surpreendida se visse uma cauda bifurcada por baixo das saias do hábito de Otho. Incapaz de se obrigar a tocar a cruz com os lábios, ela beijou o ar acima dela. Também Raoul beijou o ar, com o rosto tenso de fúria reprimida. A fivela de ouro da sua capa cintilava com a sua rápida respiração. O padre Otho arrotou. Vamos lá então ao trabalho, rapaz, disse ele. A ver se temos um belo lençol ensanguentado para mostrar de manhã, está bem? O seu sórdido divertimento terminou num guincho quando Raoul o agarrou pela garganta. É uma pena que não viva para o ver!, rosnou. O rosto de Otho escureceu. Um ruído surdo ergueu-se da sua traqueia e ele agarrou-se ao pulso de Raoul, com as veias da testa a pulsar. Passado um momento, Berenger interveio, mas não foi sem esforço que retirou a mão do filho da carne manchada da sua vítima. Otho caiu no chão, agarrado ao pescoço e a silvar. Deixa-o ir, disse Berenger. Não vais querer manchar a tua noite de núpcias com um crime». In Elizabeth Chadwich, As Filhas do Graal, 1993, tradução de Ester Cortegano, Edições Chá das Cinco, 2013, ISBN 978-989-710-050-5. 

Cortesia de CdasCinco/JDACT