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«Este
romance, que provocará tanto lágrimas quanto risos, começa em 1557, quando
Carlos V, imperador do Sacro Império Romano (Carlos I de Espanha),
prematuramente envelhecido, doente e sempre irascível, se recolhe num pequeno
mosteiro isolado na região oeste de Espanha. Trouxe consigo memórias dos seus
amores passados, dos anos no poder, das muitas campanhas militares, na maior
parte derrotas, e das suas ilusões de que as desastrosas alianças dinásticas
que engendrou, através dos casamentos de toda a sua família, tinham sido verdadeiros
golpes de génio. Entre os companheiros escolhidos especialmente para o
acompanhar está o seu frontal mordomo-mor, que foi seu servidor e confidente ao
longo de toda a vida. Conheceu Carlos melhor do que Carlos se conheceu a si
próprio e foi a única pessoa a gozar de total liberdade para dizer o que pensa,
seja o que for. O resultado é, por vezes, bastante divertido. Através das
histórias tragicómicas do seu passado contadas pelos outros membros da sua casa
e das observações incansavelmente críticas, mas supostamente objectivas de um
narrador omnisciente, teremos uma visão completa de um governante muitas vezes
apelidado de o maior imperador do Sacro Império Romano desde Carlos Magno.
Mas terá sido? Ou seria apenas um homem irascível, desajeitado, egocêntrico e
afinal muito humano, apaixonado e apaixonante, banal e generoso. Bárbara
acreditava que sim.
Depois
da morte de Maximiliano, imperador do Sacro Império Romano no primeiro quartel
do século XVI, a sua coroa foi disputada pelo rei Henrique VIII de Inglaterra,
Francisco I de França e Carlos I de Espanha (filho da rainha Joana e do rei
Filipe). Foi Carlos, neto do imperador, quem, através de subornos, convenceu os
príncipes alemães a elegerem-no Carlos V, imperador do Sacro Império Romano.
Mas era um presente envenenado, para além de ter de lidar com uma confederação
de estados alemães muitas vezes rebelde, enfrentou desafios ainda muito mais
sérios. Ao longo dos anos que passou como imperador, os reinos do Leste da
Europa estiveram constantemente ameaçados pelas tentativas dos infiéis de
expandir as fronteiras do Império Otomano o mais para ocidente possível, e Carlos
teve também de evitar que a França estendesse as suas possessões em Itália.
Ambas as ameaças requeriam uma resposta armada que exigia dinheiro, muito mais dinheiro
do que o abundante Novo Mundo poderia fornecer. Carlos teve de contrair
gigantescos empréstimos junto dos banqueiros alemães, conduzindo a Espanha à
bancarrota.
Como
chefe de família, encarava como seu inabalável dever orquestrar casamentos que
garantissem o duradouro poder da dinastia Habsburgo e que alargassem o mais
possível a sua influência. Este foi também um período de agitação religiosa um
pouco por toda a Europa. Por todo o lado rebentavam movimentos reformistas, mais
notavelmente o inspirado por Martinho Lutero, ameaçando a Santa Madre Igreja e
todas as boas almas cristãs. Foi pois sem surpresa que Carlos abdicou, aos cinquenta
e seis anos, derrotado tanto física como intelectualmente, escolhendo o seu
irmão Fernando para assumir o papel de imperador e entregando os tronos de
Espanha e de Nápoles a seu filho Filipe (Filipe II).
1557
Dois
entroncados moços de estrebaria, com cerca de quarenta e poucos anos, surgiram
do meio de um bando de raparigas aos risinhos que se juntara a um canto da
entrada do pátio, fazendo-as tapar a boca com a mão, sem conseguir disfarçar o
seu embaraço, a sua excitação. Então, o que é que achas? Quais são as nossas
hipóteses?» In Linda Carlino, Uma Questão de Orgulho, 2008, Editorial Presença,
Lisboa, 2012, ISBN 978-972-234-705-1.
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