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O
castelo de São Jorge. Um gigante de vigia à cidade
«(…)
Durante o período filipino as tropas castelhanas recuperaram a sua vocação
militar, transformando o palácio em prisão e instalando na alcáçova vários
quartéis e o governador da cidade. Deste período data também o Hospital
Militar, que ainda foi reactivado e utilizado após a Restauração. A utilização
pelos militares vai marcar vários séculos de vida do castelo, que foi utilizado
como quartel até ao século XX. Após 1640 foi instalado no castelo o
Recolhimento das Orfãs do Castelo, uma instituição que estava sobre a alçada do
monarca e que se destinava a albergar raparigas nobres órfãs. Este edifício ainda
hoje dá o nome à Rua do Recolhimento que atravessa o bairro do Castelo. O antigo
paço real poderá ter recuperado alguma da sua função residencial nesta altura,
tornando-se o Palácio dos Marqueses de Cascais, detentores do cargo de
alcaide-mor do castelo desde o reinado de João IV até 1769. Apesar de assim
aparecer nomeado em algumas plantas da Lisboa pré-terramoto, não é certo que alguma
vez os marqueses tenham lá vivido, pelo que é possível que apenas presos e
militares passassem os seus dias no topo da colina. Apesar disso, em 1709 foi
da praça de Armas que voou a Passarola de Bartolomeu Gusmão, a primeira máquina
aerostática a efectuar um voo em todo o mundo.
O
grande terramoto de 1755, que tantos danos causou em Lisboa, causou uma grande
destruição ao antigo paço e aos vários palácios nobres da alcáçova, ao Hospital
e ao Recolhimento. A destruição foi de tal modo grande que, por toda a área do bairro,
a solução foi construir os novos edifícios sobre o entulho do terramoto, ou
deixar ao abandono as áreas com maiores escombros. Apenas a Igreja de Santa
Cruz foi reconstruída. Dentro do castelo, os quartéis foram reactivados e foi
preciso esperar até aos anos 30 do século XX para rever várias estruturas que ficaram
cobertas pelos novos edifícios que ali foram surgindo. Apesar dos largos anos
que passou ao serviço do exército, a ideia do castelo como monumento
representativo da História de Lisboa e não como um edifício funcional só é
oficializada a 16 de Junho de 1910, quando Manuel II o eleva à categoria de
Monumento Nacional. Foi o início de um ciclo de discussão pública em que várias
vozes ligadas à História e cultura reclamam a reintegração, do Castelo de São
Jorge na vida pública da cidade de Lisboa.
Uma
das vozes mais importantes nesta requalificação foi Augusto Vieira Silva,
olisipógrafo que muito se debruçou sobre este edifício, publicando em 1898 a
primeira monografia sobre o castelo, que ainda hoje constitui uma importante
fonte de conhecimento sobre a sua história. Em 1938 começam as obras realizadas
pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, instituição do Estado
Novo que se dedicava a recuperar o património português num contexto de
glorificação do passado nacional integrado na máquina propagandista do regime.
Com o objectivo de integrar o castelo nas comemorações dos 300 anos da Fundação
e Restauração da Nacionalidade, as obras de recuperação foram incentivadas por Duarte
Pacheco e, apesar do curto prazo de realização, transformaram por completo o
conjunto do antigo paco real e do castelejo que foi depois aberto ao público.
Através de um plano de demolições, escavações e reconstruções que recorreram a
métodos hoje considerados pouco ortodoxos, todos os quartéis foram demolidos,
assim como as várias dependências militares, ruas e habitações que preenchiam
aquele espaço e o tornariam irreconhecível aos olhos do visitante actual. Depois
de todo este percurso, quem hoje visita o Castelo de São Jorge descobre um
monumento que reflecte vários séculos de alterações e remodelações mas que
mantém os ecos de um passado distante em que daquelas ameias e torres se protegia
e defendia uma cidade, importante para os vários povos que por aqui passaram». In
Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros,
Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.
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