quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Segredos de Lisboa. Inês Ribeiro e Raquel Policarpo. «Após 1640 foi instalado no castelo o Recolhimento das Orfãs do Castelo, uma instituição que estava sobre a alçada do monarca e que se destinava a albergar raparigas nobres órfãs»

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O castelo de São Jorge. Um gigante de vigia à cidade
«(…) Durante o período filipino as tropas castelhanas recuperaram a sua vocação militar, transformando o palácio em prisão e instalando na alcáçova vários quartéis e o governador da cidade. Deste período data também o Hospital Militar, que ainda foi reactivado e utilizado após a Restauração. A utilização pelos militares vai marcar vários séculos de vida do castelo, que foi utilizado como quartel até ao século XX. Após 1640 foi instalado no castelo o Recolhimento das Orfãs do Castelo, uma instituição que estava sobre a alçada do monarca e que se destinava a albergar raparigas nobres órfãs. Este edifício ainda hoje dá o nome à Rua do Recolhimento que atravessa o bairro do Castelo. O antigo paço real poderá ter recuperado alguma da sua função residencial nesta altura, tornando-se o Palácio dos Marqueses de Cascais, detentores do cargo de alcaide-mor do castelo desde o reinado de João IV até 1769. Apesar de assim aparecer nomeado em algumas plantas da Lisboa pré-terramoto, não é certo que alguma vez os marqueses tenham lá vivido, pelo que é possível que apenas presos e militares passassem os seus dias no topo da colina. Apesar disso, em 1709 foi da praça de Armas que voou a Passarola de Bartolomeu Gusmão, a primeira máquina aerostática a efectuar um voo em todo o mundo.
O grande terramoto de 1755, que tantos danos causou em Lisboa, causou uma grande destruição ao antigo paço e aos vários palácios nobres da alcáçova, ao Hospital e ao Recolhimento. A destruição foi de tal modo grande que, por toda a área do bairro, a solução foi construir os novos edifícios sobre o entulho do terramoto, ou deixar ao abandono as áreas com maiores escombros. Apenas a Igreja de Santa Cruz foi reconstruída. Dentro do castelo, os quartéis foram reactivados e foi preciso esperar até aos anos 30 do século XX para rever várias estruturas que ficaram cobertas pelos novos edifícios que ali foram surgindo. Apesar dos largos anos que passou ao serviço do exército, a ideia do castelo como monumento representativo da História de Lisboa e não como um edifício funcional só é oficializada a 16 de Junho de 1910, quando Manuel II o eleva à categoria de Monumento Nacional. Foi o início de um ciclo de discussão pública em que várias vozes ligadas à História e cultura reclamam a reintegração, do Castelo de São Jorge na vida pública da cidade de Lisboa.
Uma das vozes mais importantes nesta requalificação foi Augusto Vieira Silva, olisipógrafo que muito se debruçou sobre este edifício, publicando em 1898 a primeira monografia sobre o castelo, que ainda hoje constitui uma importante fonte de conhecimento sobre a sua história. Em 1938 começam as obras realizadas pela Direção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, instituição do Estado Novo que se dedicava a recuperar o património português num contexto de glorificação do passado nacional integrado na máquina propagandista do regime. Com o objectivo de integrar o castelo nas comemorações dos 300 anos da Fundação e Restauração da Nacionalidade, as obras de recuperação foram incentivadas por Duarte Pacheco e, apesar do curto prazo de realização, transformaram por completo o conjunto do antigo paco real e do castelejo que foi depois aberto ao público. Através de um plano de demolições, escavações e reconstruções que recorreram a métodos hoje considerados pouco ortodoxos, todos os quartéis foram demolidos, assim como as várias dependências militares, ruas e habitações que preenchiam aquele espaço e o tornariam irreconhecível aos olhos do visitante actual. Depois de todo este percurso, quem hoje visita o Castelo de São Jorge descobre um monumento que reflecte vários séculos de alterações e remodelações mas que mantém os ecos de um passado distante em que daquelas ameias e torres se protegia e defendia uma cidade, importante para os vários povos que por aqui passaram». In Inês Ribeiro e Raquel Policarpo, Segredos de Lisboa, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2015, ISBN 978-989-626-706-3.

Cortesia de EdosLivros/JDACT