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Filósofos Orientais
«(…) Ibn Masarra, Muhammad b. Abd Allah b. Masarra Al-Djabati
(Córdova 883-Córdova 931). Seu pai Abd Allah ibn Masarra (+Meca 899) introduziu
o mutazilismo na península e transmitiu ao filho os seus ensinamentos. Este,
aos dezassete anos, retirou-se com os seus discípulos para a Serra de Córdova.
Suspeito de heresia, partiu para o Oriente. Deteve-se em Meca e Medina. Regressou
a Córdova durante o governo de Abderramão III e aí morreu rodeado de
discípulos. Nenhum dos seus escritos chegou aos nossos dias. Para reconstituir
a sua doutrina, temos de recorrer a Said al-Andalusi, a Ibn Hazm e a Ibn
Al-Arabi, o seu mais conhecido herdeiro, por intermédio do movimento dos
Muridines e do seu imã Ibn al-Kasi. Baseado nas indicações dos diferentes
autores, Asin Palacios delineou as possíveis linhas do seu ensino e prática ascética.
No seguimento do Pseudo-Empédocles, defendeu que o ser espiritual está sob a
influência do princípio do amor puro enquanto o corpo, como todos os seres
corporais, está submetido à acção da discórdia. A filosofia provoca na alma o
desejo de partir deste mundo porque a alma não pertence cá abaixo, está
prisioneira do corpo. O fim do homem é a purificação e a libertação da alma. Os
caminhos para atingir esse fim são a pobreza voluntária, a mortificação, o
silêncio e a prática da humildade, do perdão das ofensas, do amor dos inimigos.
O exame quotidiano de consciência elevava a alma à estação mística da
Sinceridade. Ibn Hayyan conservou-nos, num contexto condenatório, algumas
informações sobre a doutrina de Ibn Masarra. A seita do suspeitoso Muhammad
b. Abdallah b. Masarra, que aparentava piedade ocultando secretos desígnios e
embustes de sedição, tinha-se propagado entre a gente no começo do reinado do
califa an-Nasir (Abderramão III). Atraía-os graças ao ascetismo e piedade que
aparentava, sendo mui rigoroso nos méritos do crente e negando a benevolência
divina. Apartava-se das gentes e preferia afastar-se delas, aferrando-se na sua
propriedade numa alqueria de Córdova… Com a sua doçura de expressão, solidez
dialéctica, penetração exacta dos conceitos e variados conhecimentos arrebatava
as mentes sem cuidar do caminho direito… Compôs livros excelentes, difundiu
acertadas epístolas e elaborou artigos devastadores cuja intenção oculta cobriu
com os véus do equívoco, difundindo o cumprimento das promessas e ameaças
divinas e a falta de autoridade dos hadices sobre a intercessão, dando
por inverosímil a benevolência e a misericórdia… Dispôs as Mudawwana maliquitas,
pilar da Suna, por concomitâncias, dividindo-as, ao nosso querer, com a mais clara
traça e criando secções extratadas excelentes, declaradas unanimemente, até
pelos seus opositores, como melhores, mais resumidas e claras que qualquer
outro compêndio da dita obra. Graças à solidez da sua extensa ciência e à sua paciência
para confundir o adversário atraía e capturava os corações.
Os seguidores de Ibn Masarra
foram condenados pelo califa Abderramão III que mandou ler uma proclamação em
todos os pontos do Andaluz. Deus, exaltada seja a sua acção e glorificada a sua
menção, fez do Islão a melhor religião, sustendo-a, enaltecendo-a e não
aceitando nem querendo outra para seus servos, pois diz em sua excelente
revelação: quem siga outra religião que não o Islão não se aceitará… Fostes a
melhor nação que saiu da gente, pois ordenais o bom e condenais o reprovável.
Ele vos estatuiu a religião que recomendara a Noé e que te temos inspirado e
que recomendamos a Abraão, Moisés e Jesus: cumpri a religião e não discrepeis
dela… Empenharam-se na sua ignorância, perderam-se no seu extravio e deram de
cabeça no ódio da comunidade pia, professando aborrecê-la, declarando lícito o
derramamento do seu sangue e justificável a violação de suas esposas e o
cativeiro dos seus filhos: o ódio apareceu nas suas bocas, mas maior era o
oculto em seus corações. O escrito foi lido em todos os púlpitos. Deus destrói nações
por coisas como as que trouxe este grupo malvado, que adultera a tradição,
ataca o grande Corão e os hadices do fiel Profeta. E Ibn Hayyan acrescenta.
Al-Farabí, na sua obra sobre os sábios do Andaluz, diz dele que era grande
conhecedor de história e das versões das obras e de variados conhecimentos: filósofo,
sábio, médico, astrónomo, astrólogo, literato excelente, poeta, orador, cuja
ciência era acompanhada pela habilidade dialéctica e domínio da gramática e o
vocabulário do árabe… É sobejamente conhecido que a opinião de Ibn Masarra se
separava de muitas crenças dos sunitas». In António Borges Coelho, Tópicos para a História da Civilização e das
Ideias no Gharb al-Ândalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli, 1999,
IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de
I.Camões/JDACT