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E de facto tudo aconteceria como havia sido dito e no dia seguinte a galé do
grego Ulisses Patrai âncorava em Barcelona e à sua chegada lá tinha o jovem cavaleiro
Manolo Ratia pedindo-lhe que se dirigisse ao palácio de Beatriz Lascaris onde,
sua amiga de infância Eudóxia Lascaris, que se encontrava doente, queria e
muito falar com ele. Ulisses era um homem enorme com mais de um metro e noventa
de altura e seguramente com mais de cento e vinte quilos de peso. Apesar da
idade continuava enxuto, sem ponta de gordura, apenas e só osso e músculo.
Havia quem lhe chamasse desde muito jovem o novo Hércules, lá para os lados do
mar Egeu, pela força descomunal que que era portador. Prontamente acedeu ao
pedido do jovem mensageiro e seguiram de imediato para o palácio de Beatriz Lascaris.
Para Ulisses andar no meio da confusão da actividade portuária era simples porque
não precisava de se desviar de ninguém. Quem com ele chocasse, estivesse o que
estivesse a transportar, era queda certa e se apenas ficasse a bandear o próprio
Ulisses se encarregava de o afastar do seu caminho com um ligeiro empurrão,
como se uma mão das suas, quando tocasse alguém, fosse apenas um pequeno empurrão.
Quem gozava com todo o aparato da situação era o jovem Manolo que com a sua magrra
figura pedia com alguma arrogância que o deixassem passar e quando não lhe ligavam
nenhuma logo se esquivava e deixava que surgisse Ulisses e abrisse o caminho.
Pouco
depois Ulisses encontrava-se com Eudóxia e para ele foi um grande choque ver a
situação de doença e de definhamento em que a sua amiga se encontrava. O
próprio sorriso dela que trazia na memória, outrora branco e alegre, não
passava agora de algo acinzentado e amarelo quase sem expressão. Ficou deveras
combalido mas tentou não o demonstrar e como quase sempre, quando os amigos se
encontram, as saudações são sempre de aspecto reluzente, quando não existe brilho,
ou de votos de muita saúde, quando esta já não abunda. Ulisses ouviu atentamente
a história que Eudóxia lhe contou e colocou-se de imediato ao seu serviço e
logo que chegasse a Constantinopla, dentro de alguns meses, tentaria saber o
que teria acontecido ao tesouro dos Lascaris, à Cruz do Santo Lenho e à
Cabeça-Relicário de S. Fabiano e principalmente, a João Lascaris, irmão de
Eudóxia. Estava prometido, ele e seu filho Diógenes, se encarregariam de trazer
tais informações a Barcelona dentro de uns cinco meses ou talvez menos. Portanto,
dizia Ulisses Patrai para Eudóxia, tens de te pôr bem, porque dentro desse
intervalo de tempo, quando regressar, quero ver-te com saúde e com alegria. E
assim dito, logo se foi, após beijar suavemente a face de Eudóxia e de se ter
despedido de todos os seus filhos.
No
dia seguinte, Eudóxia Lascaris partia com as suas aias mais chegadas e com sua
filha Vataça para Zaragoça, contra a vontade de todos os seus filhos que lhe haviam
insistentemente sugerido, que ficasse mais uns dias em casa de Beatriz e mais
tarde, quando se sentisse melhor, logo partiria para Zaragoça. Mas não. Eudóxia
queria assim e não havia nada a fazer. Com muito cuidado e carinho fizeram uma
espécie de cama num dos bancos do coche do rei de Castela, onde deitaram
Eudóxia, e Vataça seguia mesmo na sua frente, cuidando que os solavancos dos
caminhos a não incomodassem muito. Chegadas a Zaragoça. depois de uma viagem
bem cansativa que causou muitas apreensões e receios a Vataça, chegaram a casa
de Eudóxia. Com todos os cuidados os criados ajudaram a sua senhora a descer do
coche e a deslocar-se até à sua câmara, onde a deitaram e cobriram delicadamente.
Antes de adormecer beijou sua filha e com um leve acenar despediu-se de Vataça.
Um suave sorriso de adeus deu-lhe um ar infantil de harmonia angelical. Era
como se estivesse feliz por ter já transportado para os seus filhos os
problemas, que de há muito a incomodavam». In Francisco do Ó Pacheco, Vataça, A
Favorita de Dom Dinis, Prime Books, 2013, ISBN 978-989-655-183-4.
Cortesia
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