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«(…)
Entregue ao prazer doloroso, Pablo deixava de ser o intelectual brilhante, o
psicanalista agudo que sempre tinha a resposta adequada para cada pergunta e
controle sobre todas as suas emoções. Nesse transe, era somente Pablo, um homem
que gozava desesperadamente e ao qual só ela era capaz de fazer sentir dessa
maneira. Mas, infelizmente, para Alejandra, ele também tinha o poder de
descontrolá-la, de levá-la em um instante do prazer à angústia. Quem sabe não
fosse outro o motivo pelo qual havia decidido deixar sua casa em Buenos Aires
para instalar-se naquela pequena cidade a mais de mil quilómetros de tudo o que
até este momento fora sua vida. Talvez fosse somente pela esperança de que cada
um desses quilómetros a distanciasse de Pablo, da dor e da degradação de que
ele era capaz de causar. Porque, de sua parte, ela também deixava de ser a
mulher lúcida e sensível para converter-se em uma fêmea que se submetia
totalmente a todos os seus caprichos. E gostava disso. Por isso, nessa noite,
quando tudo se concluiu, ficou encolhida como um feto sobre a cama, chorando em
silêncio. Porque já não haveria mais Pablo para ela. Sabia que iria sentir
saudade de forma exagerada, contudo, sabia também que era impossível tentar o
que quer que fosse, qualquer algo a mais. Já haviam se machucado demais.
Alejandra não tinha como fazer mais nada para evitar e, imersa no jogo, também
o havia ferido. Muito a seu pesar, ainda que por custo de sua inocência, de sua
verdade. Estava arrependida, mas agora já era tarde. Por isso, ao partir, não
quis acordá-lo. Vestiu-se em silêncio e apenas se atinou a olhá-lo antes de
sair do quarto. Lá fora, um insistente chuvisco caía sobre Buenos Aires;
relâmpagos iluminavam o céu. Lá dentro, um homem, seu homem, chorava nu e
aflito sobre a cama. Quando saiu para a rua, o frio da noite bateu em seu
rosto. A chuva fraca era contínua e gelada. Enfiou a chave dentro de um
envelope com o nome dele, jogou-o na caixa de correio da entrada e se foi de
sua vida para sempre. Faz um ano. O tempo é implacável.
Pablo
olha para seu relógio. São nove da noite e, em geral, a essa hora se despede do
último de seus pacientes. No entanto, acaba de ver uma pessoa na sala de
espera. Olha para ela e sorri, cortês, antes de voltar a entrar em seu
consultório. Helena, sua assistente, segue-o. Quem é?, pergunta Pablo. É a
garota da qual falei hoje pela manhã. Você me disse para lhe dar um horário
para uma consulta. Sim..., mas a esta hora? Ela disse que era urgente. Você já
sabe como é..., disse Pablo. Sempre é urgente. Sim, mas ela estava muito
angustiada, deu pena. E de mim, você não sente pena? Acabo de chegar de uma
viagem de trabalho e hoje é um dia especialmente difícil, fez uma pausa quase
imperceptível. Vim do aeroporto directamente para cá. Sinto saudade de minha
cama e preciso descansar. Ou você pensa, que comigo nunca acontece nada e
sempre estou bem? Nada disso. Se existe alguém que lhe conhece neste mundo,
esse alguém sou eu. E mais, às vezes, acredito que você não precisa de uma
assistente e que estou aqui porque o que na realidade precisa é ter alguém por
perto que ame e cuide de você. Pablo deixa escapar um sorriso. Ah, não..., veja
bem, o analista aqui sou eu. Silêncio. E então? O que eu faço com a garota? Se
quiser, digo que me enganei ao agendar o horário e a transfiro para outro dia. Não,
tudo bem, responde depois de um breve silêncio. Mande-a entrar e pode ir, já é
tarde. Eu posso esperar até que a consulta acabe. Não, não tem importância.
Além disso, eu sei bem o que é ter vontade de voltar para casa, disse com
ironia. Mas, para isso, primeiro é preciso ter um lar para o qual regressar,
não?, responde Helena ao mesmo tempo em que lhe dá um beijo. E você, desde que
Alejandra foi embora..., interrompe a frase, faz um gesto de negativa com a
cabeça e se retira.
Ele
a vê partir e sorri. Se há alguém que pode lhe dizer qualquer coisa, é Helena.
Porque Helena é muito mais que sua assistente. É sua amiga desde a época de
escola no secundário. Muito antes que ele se convertesse em um renomado
psicanalista. Desde aquela época, na qual o chamavam Loiro e não Doutor.
O apelido de loiro nada tinha a ver com seu aspecto, Pablo era moreno, senão
por seu sobrenome: Rouviot. Pablo se lembra de ter se apaixonado perdidamente
por ela quando tinham quinze anos, mas Helena jamais pareceu corresponder e ele
nunca lhe disse nada. Voltaram a se encontrar aos trinta e cinco, numa noite
fresca de Abril. Ele já era psicólogo, e a publicação de seu primeiro livro
havia gerado um grande alvoroço entre seus colegas. E foi justamente na saída
de uma de suas conferências que aconteceu o reencontro. Pablo já estava saindo
quando escutou uma voz que o chamava com aquele apelido que já quase esquecera.
Loiro...» In Gabriel Rolón, O Lamento do Violino, 2010, Editora Planeta, tradução
de Clene Salles, 2012, ISBN 978-857-665-967-9.
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