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Montségur.
1243
«Montségur
é uma rocha cnica de encostas escarpadas que´se ergue de uma planície tortuosa,
a ponto de à primeira vista parecer uma ilusão longínqua, qualquer coisa não pertencente
a este mundo. Parece estar lá para acolher os exércitos de anjos que, de sua
perspectiva seráfica, talvez sejam capazes de descobrir aquele palmo de patamar
plano onde possam apoiar uma escada celestial. O invasor humano que se aproxima
a partir do norte parece ter o monte ao alcance da mão, como um capacete que
alguém retirou da cabeça, mas que, depois, uma mão mágica vai elevando mais e
mais à medida que os pés do caminhante se aproximam de algum de seus flancos.
Caso chegue do leste, abandonando-se ao engano de um suave declínio da
montanha, o escudo erguido do Roc de la Tour o fará retroceder, quiçá
arrojar-se sem mais nem menos à espumosa garganta do rio Lasset, tão profundamente
cortada na rocha que de lá em baixo sequer se vê o cume da montanha e menos
ainda o castelo. Apenas pelo sudoeste se oferece, após ultrapassar um declive harmonioso,
uma encosta coberta por bosque; mas, no momento em que o alpinista arquejante
abandone a protecção da mata selvagem, verá que a parede restante, composta por
uma pedra nua, ascende quase verticalmente. Verá, então, os muros da fortaleza
assomarem-se por cima dele, seu coração se entregará a um galope selvagem, sua
respiração se tornará mais difícil, o ar escasseará; no alto dos Pirenéus, uma
luz violeta e azulada iluminará o caminho, mostrando seus picos que, naquele
verão de San Martin, de 1243, apareciam já cobertos de neve. O vento sacode
ruidosamente as folhas do buxal. O invasor não chegará a ouvir o silvo da
flecha que lhe abrirá a garganta deixando-o pregado ao tronco de um arbusto, e
o sangue brotará da ferida como faria a fonte refrescante que tanto desejava
encontrar durante a subida. Acompanhando as batidas de seu coração, que
desfalece, o sangue continuará jorrando, até que as acinzentadas rochas lá de
cima confundam-se com as muralhas, enchendo-se de uma luz clara como o céu, e
os sentidos o abandonarão antes que caia de costas em direcção ao verde-escuro
do bosque, do qual nunca deveria ter se afastado. A ordem era montar
acampamento no prado cuja suave encosta situava-se a uma boa distância do
penhasco, suficientemente longe para evitar as bestas. No centro do acampamento
foram armadas as barracas para os dois capitães: a de Pierre Amiel, arcebispo
de Narbona e enviado do papa que, possuído de um feroz fanatismo, tinha por objectivo
destruir aquela sinagoga de Satanás; e, a uma conveniente distância, embora sem
especial intenção, a de Hugues des Areis, senescal de Carcassone, a quem o rei nomeara
chefe militar da missão. Como fazia a cada manhã, o senescal havia oficializado
a missa diante do exército completo, embora tivesse preferido assaltar
rapidamente a fortaleza dos hereges, encabeçando seus homens, munidos de
escadas e torres de assalto; e novamente ajoelhara-se diante de sua barraca,
também como sempre, enquanto tocavam os sinos do Angelus, rodeado dos três
capelães de campanha, entre os quais William de Roebruk. O arcebispo,
considerando que rezavam muito e lutavam pouco, esperou com enorme impaciência
o fim daquela prece: deveriam buscar o bem de vossas almas não tanto na paz com
Deus, mas na luta contra seus inimigos! O senescal preferiu ainda não levantar
o joelho, que mantinha fincado na terra, e permaneceu com os olhos fechados e
as mãos juntas, os punhos apertados até mostrar os nós dos dedos, mas não
respondeu. Já faz muito tempo que o conde de Tolosa sustenta essa espécie de
cerco atenuado, e meu senhor, o papa... Eu sirvo ao rei de França,
interrompeu-lhe nesse instante Hugues des Areis, que tinha conseguido restabelecer
seu equilíbrio interior e não hesitou em fazer sentir a seu concorrente
sacerdotal, sem perturbar-se nem um pouco, o desgosto que lhe provocava sua
presença, e, se Deus assim o quiser, executarei fielmente suas ordens: conquistarei
o Montségur!
Levantou-se
e dispensou seus capelães com um gesto brusco de mão. A perseguição dos hereges
que tanto afecta seus corações deve seguir submetida à primazia de minhas
ordens. Esperar que o conde de Tolosa cumpra essa tarefa revela uma pobre visão
política, posto que os defensores do castelo são seus antigos vassalos,
inclusive em muitos casos seus parentes próximos. Faidits!, resmungou o
arcebispo. Traidores infiéis e rebeldes! Sem falar do senhor feudal desta
região, o visconde de Foix, a quem não pareceu sequer necessário apresentar-se para
cumprimentar-nos. O senescal iniciou a retirada: faz tempo que designou
sucessor: Guy de Levis, filho do companheiro de armas do grande Monfort.
Pretende-se ser este que lhe tire do fogo... Pierre Amiel seguiu-o bem de
perto, espumando de raiva. Falam de fogo? Isso é o que vocês devem prender lá
em cima: incendeiem esse ninho de víboras malignas, e que a fumaça e as chamas
os carreguem ao Inferno! O senescal, muito calmo, inclinou-se para tirar um
ramo que queimava numa das fogueiras. A tocha da Inquisição (maldita)!, disse,
ironizando, entregando a madeira que ardia ao surpreso arcebispo». In Peter
Berling, Os filhos do Graal, 1991, Editorial Presença, colecção Grandes
Narrativas, 1996, ISBN 978-972-231-982-9.
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