sábado, 4 de maio de 2013

Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos. Bento de Jesus Caraça. Alberto Pedroso. «O aparecimento de o Globo outra coisa não foi senão o prosseguimento da caminhada que há muito vinha fazendo, uma nova arma que empunhou em defesa da cultura e da liberdade»

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«Caraça publicou no semanário Liberdade o artigo A Luta contra a Guerra, onde afirma a dado passo:
  • Existem, sem dúvida, núcleos apreciáveis de homens firmes, de homens de boa vontade, que, na luta contra a guerra, põem o melhor da sua inteligência e da sua actividade, o recente congresso de Amsterdam é disso uma prova bem patente mas, infelizmente, a maioria, a grande maioria dos intelectuais apresta-se para uma nova renegação do espírito. Mais adiante, a concluir o artigo, veio o aviso e a profissão de fé. Que todos se apercebam bem disto no momento que passa, a trincheira da luta pela humanidade é a trincheira da luta contra a guerra. É a hora de falar claro e de cada um escolher a sua posição. A minha está escolhida há muito tempo.
Uma outra das acções não clandestinas que empreendeu contra a guerra e contra o fascismo, que na Europa e em Portugal já iniciara o seu monstruoso percurso de alguns anos, foi certamente a publicação do Globo, o quinzenário de que foi co-director com José Rodrigues Miguéis. De vida efémera, o primeiro número veio a público em 11 de Novembro de 1933, tomando o lugar que o seu homónimo, o semanário O Globo, abandonara algum tempo atrás, suspensão motivada, ao que parece, por dificuldades económicas. Propriedade da Sociedade Cooperativa Editorial Globo, ainda em organização, o periódico tinha a sua sede em Lisboa, na Praça dos Restauradores. Indicava como redactor-principal M. Ramos Cunha e, como editor, um nome igualmente pouco conhecido por nós, M. Luiz Rodrigues. Projectado, à partida, para sair todas as semanas, tal propósito jamais foi concretizado, e o jornal acabou com o segundo número às mãos da censura.
Não terá sido fortuita a escolha do dia 11 de Novembro para a saída do primeiro número de o Globo, 11 de Novembro foi data da assinatura do Armistício da Primeira Guerra, e o seu aparecimento neste dia decerto quis sublinhar em público as preocupações maiores que norteavam o grupo do Globo, os perigos da guerra e do fascismo. De tal modo as duas questões avultavam entre as preocupações dos responsáveis do periódico que toda a primeira página do número inicial lhes foi consagrada, publicando o editorial Duas Datas, e um sugestivo desenho do artista Bernardo Marques. Neste desenho, um ilusionista bem adornado de medalhas com a cruz suástica e postado em frente a um cartaz anunciador do Circo Europa, faz voar de uma cartola duas solitárias pombas, enquanto com a outra mão exibe uma segunda cartola pejada de armas de guerra…
No editorial, que se admite ser do seu punho, Bento Caraça põe a nu a situação internacional existente, dominada pelos interesses imperialistas e pelos monopólios:
  • Vivemos, neste triste fim de 1933, as horas amargas de febre e de incerteza que precedem os grandes conflitos; prepara-se um novo grande crime contra a humanidade. Para que esse crime seja possível, são postos em acção todos os meios, corrida desenfreada aos armamentos, preparação do ambiente moral pela excitação dos antagonismos de raças, a mentira e o ódio postos ao serviço dos fabricantes de canhões.
O aparecimento de o Globo outra coisa não foi senão o prosseguimento da caminhada que há muito vinha fazendo, uma nova arma que empunhou em defesa da cultura e da liberdade». In Alberto Pedroso, Bento de Jesus Caraça, Semeador de Cultura e Cidadania. Inéditos e dispersos, Campo das Letras Editores, Porto, colecção Cultura Portuguesa, 2007, ISBN 978-989-625-128-4.

Cortesia de Campo das Letras/JDACT