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Liberte o artista que há dentro de si
«Ninguém pensa que pintar, modelar ou gravar seja património
comum da natureza de homem; e que o sejam igualmente a poesia ou a dança:
acha-se que são um dom, uma genialidade, e além de tudo raros. Olha-se o
Renascimento italiano como uma época de monstros, quando na verdade cada um dos
homens que nele mais admiramos tinha os mesmos recursos de natureza humana que
nós temos. O que aconteceu é que devido a circunstâncias que não se repetiram
na História, mas que está hoje em nosso poder fazer repetir, eles puderam ter a
coragem de se libertar de limitações, de escrúpulos, de antolhos, e se lançaram
à suprema aventura de ser o que eram; nós, porém, deitados num novo leito de
torturas, nos cortamos naquilo em que sobramos dos estreitos, inadequados,
padrões de outras idades». In Agostinho da Silva, ‘Só Ajustamentos’.
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No artista há sempre duas pessoas
«No artista há sempre duas pessoas: o homem que pode ser ou
não ser de excelente qualidade, e o artista; é o homem que se emociona e da sua
qualidade depende a qualidade das emoções; o artista, que nunca se comove, que
é um empedernido espectador, e por isso mesmo cria ao homem graves problemas
morais, esse contempla o que se passa, anota, arquiva e, logo que se liberta do
homem, escreve ou compõe; e há tal nitidez e segurança no que apreendeu que o
homem fica quase sempre com a impressão de que não foi mais do que um servidor
do artista, que foi um escravo, um ser utilizado; daí os desesperos e as
revoltas. Não é quando se está em transe de amor, o único momento em que verdadeiramente
se ama, que se escreve ou se compõe ou se pinta: é depois, quando o amor se
abateu, quando reina o artista, quando é só em todo o campo, e há do amor
apenas a lembrança, quase uma reminiscência platónica, no sentido de que foi
uma experiência que nos excedeu e de que só poderemos recordar fragmentos e
talvez o que menos valha». In Agostinho da Silva, ‘Sete Cartas a Um Jovem Filósofo’.
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