Renascença Portuguesa
e a Guerra. O projecto cultural da
Renascença Portuguesa. O contributo de Jaime Cortesão. Concretização
do sonho
«(…) O projecto toma forma e consolida-se a partir da
reunião preparatória de Coimbra embora sem a presença de nenhum dos elementos
do grupo de Lisboa. Nesse encontro Teixeira de Pascoaes é escolhido para
redigir um projecto de programa da Associação e é também nessa ocasião que se
elabora um projecto de estatutos, para serem discutidos numa reunião marcada
para 17 de Setembro em Lisboa. Esta última reunião conta com a ausência de
Pascoaes, para que não imaginem lá que me
quero salientar neste assunto e do Porto apenas comparecem Cortesão e
Álvaro Pinto a que se juntam Proença, Sérgio, Câmara Reis, Joaquim Manso, Mário
Beirão, Veiga Simões, Gastão Correia Mendes e Albino Forjaz Sampaio. Neste
encontro é já claro o confronto entre duas tendências que gravitam em torno da
génese da Renascença, realçado pela oposição ao texto programático de Pascoaes
que colidia, pelo seu saudosismo exacerbado e pelo nacionalismo romântico, com as ideias de Sérgio e Proença, que
reconheciam a necessidade de diagnosticar os problemas do país e regenerar a
sociedade pela mobilização dos grupos de intelectuais, mas discordavam dos
meios, propugnando por uma abertura à cultura europeia, sem descurar os interesses
nacionais. Álvaro Pinto revela que o programa de Pascoaes não reuniu o consenso
favorável nesta reunião, embora todos concordassem em entregar a Pascoaes a
direcção da 2ª série da revista A Águia. As decisões tomadas no encontro
de Lisboa não agradaram ao poeta da Saudade que comunica a Álvaro Pinto o seu
desagrado pela adulteração da sua ideia e tece algumas críticas aos que se
reuniram na capital: Há muita gente obcecada
por teorias científicas, sociais, etc., etc.! Há muita gente deslumbrada pelo
falso fulgor que vem das nações da Europa! (...) Portugal pertence à Europa, é
certo, mas tem qualidades próprias e originais capazes de realizar, depois de
reveladas e definidas, uma grande civilização. Cortesão diverge também do
texto proposto por Proença, não tanto em termos de conteúdo mas sobretudo pelas
consequências, a possibilidade de ferir susceptibilidades, pedindo a Proença
que aguarde em relação à redacção final do texto, procurando chegar a algum consenso,
sem precipitações.
Os textos programáticos acabaram
por não ser publicados na revista e procura-se redigir os estatutos da
Renascença com os objectivos, ideias e actividades em que o grupo portuense e o
da capital eram unânimes, embora Pascoaes não desista da sua cruzada pelo
saudosismo no selo da Renascença. Estes projectos têm interesse para indagarmos
como Cortesão se posiciona face a cada um deles. O primeiro, da autoria de
Pascoaes, intitulado Ao Povo Português. A
Renascença Lusitana, defende a obra patriótica que reúne um conjunto de
indivíduos cheios de esperança e fé na
nossa Raça, na sua originalidade profunda, no seu poder criador duma nova civilização.
A verdadeira alma lusitana tinha vindo a perder o seu carácter, a sua fisionomia
original e as suas forças vitalistas e criadoras devido às influências
estrangeiras. Combater essas influências
contrárias ao nosso carácter étnico era tarefa da Renascença de forma a
conseguir a emergência de novas forças
morais orientadoras e educadoras do povo, que sejam essencialmente lusitanas,
para que a alma desta bela Raça ressurja (...). Um nacionalismo romântico e
espiritualista, um misticismo laico, que o levava a insistir na sagrada ideia
que mobilizava aquela elite: o acordar na Pátria um novo alento criador de
beleza, justiça e de bondade, definindo ainda os objectivos essenciais da
Renascença Lusitana; dar ao povo uma educação
lusitana e não estrangeira; uma arte e literatura que sejam lusitanas, e
uma religião no seu sentido mais elevado e filosófico, que seja também lusitana. Religião enquanto ansiedade poética das
almas para a perfeição moral, para a
beleza eterna, para o mistério da Vida... A alma lusitana sentia esta
ansiedade e a convergência ente paganismo e cristianismo de uma maneira
singular, e isso era passível de ser detectado nas tradições populares, nas
lendas e na obra de alguns artistas e poetas. É então que Pascoaes filia a
Associação no movimento saudosista elegendo como a suprema criação sentimental da Raça, a Saudade, a
verdadeira religião. As estratégias propostas para alcançar os objectivos
passavam pela promoção de conferências, pela edição de livros e de uma revista,
orgão da sociedade, intitulada Águia,
aproveitando a revista já existente, como propusera Cortesão. Os dois textos
comprovam o desencontro entre os dois comités, o de Lisboa e o do Porto, e
profetizavam as dissidências ou o afastamento de alguns dos seus membros, Raul
Proença e António Sérgio». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, Sinais
do Pendsamento Contemporâneo, Ensaio, Política, História e Cidadania,
1884-1940, ASA Editores, Setembro de 2004, obra adquirida e autografada em
Fevereiro de 2006, ISBN 972-41-4002-4.
Cortesia de Edições ASA/JDACT