«(…) À maneira tipicamente estoica
do meu pai, nunca falámos da morte da minha mãe nem de sentimentos ou das
situações que os originavam. Nessa manhã, ele preparou-me o pequeno-almoço e sentámo-nos
à mesa, ouvindo o silêncio. Os homens da funerária chegaram e partiram e o meu pai
tratou de tudo com a serenidade típica de uma simples transação comercial. Não
quero com isto dizer que a morte da minha mãe não o afectou, simplesmente ele não
sabia como exteriorizar os seus sentimentos. O meu pai era assim. Nunca lhe dei
um beijo. Era a sua forma de ser. O motivo
que nos leva a iniciar as coisas raramente é aquele que nos leva a continuá-las.
Comecei a escrever no meu diário porque a minha mãe me disse para o fazer. Após
a sua morte, mantive este hábito porque interrompê-lo significava quebrar uma
corrente que me ligava a ela. Depois, gradualmente, até isso se foi alterando.
Nos respetivos momentos não me apercebi do facto, mas os motivos que me levavam
a escrever mudavam constantemente. Enquanto ia amadurecendo, fui escrevendo como
que para provar a minha existência. Escrevo, logo existo.
Existo... Há alguma coisa
em todos nós que, para o bem e para o mal, nos incita a fazer com que o mundo saiba
que existimos. Esta é a minha história, o meu testemunho de mim próprio e da maior
viagem da minha vida. Esta viagem começou quando eu menos esperava, numa altura
em que me parecia que rigorosamente nada podia correr mal. Antes de o meu mundo
se ter desmoronado, eu era um executivo de uma agência de publicidade, em Seattle.
Não obstante, admito que esse título soa algo pretensioso quando aplicado a alguém
que decorava o seu escritório com bonecos do Homem da Atlantida e pósteres de Einstein.
Eu era um homem dos anúncios. Era simplesmente
uma área profissional que eu sempre quisera abraçar. Talvez eu tenha abraçado
aquela profissão por querer ser uma espécie de Darrin, de Casei com uma Feiticeira (eu mantinha uma paixoneta de miúdo
por Elizabeth Montgomery). Conclui a licenciatura em 1998 e obtive trabalho antes
mesmo de a tinta do meu diploma ter secado. Fui bem-sucedido no mundo da publicidade
e levei a vida de uma jovem estrela em ascensão. Era um menino-prodígio. Ganhei
dois prémios ADDY no meu primeiro ano de actividade e quatro no seguinte. Depois
de três anos a enriquecer os meus patrões, segui o caminho predilecto das agências
de publicidade das firmas de advogados e das organizações religiões e fundei a minha
própria empresa. Eu tinha apenas vinte e oito anos de idade quando vi um
letreiro de vinilo com o nome da minha agência afixado na porta do meu gabinete:
MADGIC, Publicidade e Design Gráfico.
A empresa passou de dois funcionários
a uma dúzia em apenas nove semanas e eu fazia mais dinheiro do que os indivíduos
que açambarcavam os bilhetes para os espectáculos da Barbra Streisand. Um dos meus
clientes até me chamou o figurino do
sonho americano. Passados dois anos, exibia todos os sinais do êxito material
tinha a minha própria empresa, um automóvel Lexus Sport Coupé, uma bela casa de
1,9 milhões de dólares em Bridle Tiails, um bairro exclusivo e repleto de arvoredo
a norte de Bellevue, dotado de um parque equestre e de trilhos para passeios a cavalo
em vez de passeios para peões, e passava férias na Europa. Para completar este quadro
de sucesso, tinha também a mulher que eu amava, uma beldade morena chamada McKale.
Quando os meus clientes potenciais me perguntavam se eu conseguia vender os
seus produtos, eu mostrava-lhes uma foto de McKale e dizia-lhes que tinha conseguido
fazer com que ela se casasse comigo. Então, acenavam-me, admirados, com a cabeça
e confiavam-me a publicidade aos seus produtos. McKale era o amor da minha vida
e, literalmente, a miúda que vivia na porta ao lado. Conheci-a quando eu tinha acabado
de completar nove anos de idade, cerca de quatro meses depois de a minha mãe
ter morrido e de o meu pai ter deixado o Colorado, mudando-se para Arcadia, na Califórnia».
In
Richard P. Evans, A Caminhada, 2010, tradução de Luís Coutinho, Saída de
Emergência, 2012, ISBN 978-989-637-465-5.
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