Os
lagóias
Orbis
pictus
«Ao lusco-fusco das manhãs de Outono,
estações do ano são humores do
vida!,
homens do peixe do senhor Rabinha,
seus fatos negros de borracha
húmida,
entre o estertor das camionetas
Diesel
arrastam os caixotes reluzentes
o assobiar de fresco ao nevoeiro.
As motoretas passam a grasnar
roufenhas, oleosas, proletárias,
de capacetes e faróis acesos,
um gosto popular de cosmonautas.
De quantos lados chegam! As
mulheres,
de alcofas pela mão e as grandes
nádegas,
já debruçadas, para aviar a praça,
gulosas do café com massa frita,
do qual o cheiro alastra, uma doçura,
o largo, os automóveis, e o meu quarto.
Ao lado, no Quartel, os
corneteiros
já diluíram os clarins dolosos
sobre o cinzento do verniz dos
plátanos.
Da serra para o mercado há os que
passam
com suas botas de ferrar o chão,
ao bafo do vapor azul discreto
de algum oficial à porta-d’armas.
As bestas e as carroças de
hortaliça,
impacientes, fumegando, chiam,
rangem os aros de metal dos rodas,
batem os cascos, rifles, na
calçada.
Rapazes pobres do trabalho em
obras,
andámos todos já na mesma escola,
nem é de mais que algum seja
bombeiro,
falam-me sempre para fumar
comigo.
Sete horas da manhã. Meia p’rás
oito.
O apito do fábrica da Rolha
espichou agora, em sobressalto,
vivo,
seu arrepio de esganar o ar…
Que pena o d’Assumpção, que se
matou!
Talvez imaginasse apetecer-lhe,
aqui de Portalegre, alucinado,
um copo de nevoeiro».
In
Portalegre,
Setembro 1970
In
Carlos Garcia Castro e Raul Ladeira, Os Lagóias e os Estrangeiros, edição da CM
de Portalegre, 1992, Depósito legal nº 53094.
Cortesia
de CMP/JDACT