A
sua última duquesa. Toscânia 1559
«(…) Ele é muito atraente, não é,
o duque?, perguntou Lucrécia, libertando-se dos saiotes. Atravessou o quarto,
aproximou-se da mesinha perto da janela e pegou num retrato minúsculo com uma
requintada moldura dourada. É. E
muito inteligente, segundo afirma o papá. Isso é tão importante, não achas
Giulietta? Não queria casar com um homem que não fosse inteligente. Lucrécia
pousou o retrato, baixou a voz e acrescentou com convicção: nunca diria tal
coisa ao papá ou à mamã, mas acho que preferia casar com um homem pobre mas
inteligente do que com um nobre idiota. Bem, nesse caso é uma jovem muito
afortunada, porque os seus pais lhe arranjaram um aristocrata inteligente,
disse Giulietta. Que também é bonito, afirmou Lucrécia.
É como diz. Lucrécia estava em
camisa. Como seria ficar em camisa na presença dele? O que pensaria dela o
duque? Imaginou os seus olhos cravados nela e sentiu um aperto nos mamilos.
Respirando devagar, viu a luz a pintar uma faixa brilhante nas costas de
Giulietta quando a velha se debruçou sobre um baú comprido e trabalhado que se
encontrava aos pés da cama. O que gostaria de vestir, cara? Acho que prefiro o
castanho-avermelhado, respondeu Lucrécia, e Giulietta ajoelhou-se, passou os
braços por baixo de várias camadas de tecido e tirou uma saia e um corpete de
damasco castanho-claro, ricamente bordado. Levantou-se à frente de Giulietta,
que susteve o fôlego quando a velha lhe enfiou o vestido novo pela cabeça e o
apertou bem.
Mangas cor de ameixa? Lucrécia
sorriu em sinal de assentimento. Giulietta abriu um baú de carvalho mais
pequeno e encontrou duas mangas roxo-avermelhado rematadas por rendas soltas
nos ombros. O braço, disse Giulietta, distraída, e Lucrécia estendeu o braço,
pálido e magro na penumbra. O tecido delicado da camisa creme via-se através dos
cortes ornamentais na manga de seda. Quando estiver pronta, vou aos estábulos
para ver se o Vanni já acabou, informou Lucrécia. Ai isso é que não vai, minha
querida. A voz de Giulietta perdeu a ternura habitual. Ele está a chegar e se a
menina for 1á abaixo suja-se e teremos de voltar a mudar-lhe a roupa. Quem
estará presente no banquete desta noite? Uma mudança deliberada de assunto. Giulietta
ficou a pensar. Bem, o duque trará o seu grupo, evidentemente, talvez umas doze
pessoas, e depois estará o seu pai e a sua mãe e... O Vanni... Claro..., e creio
que o seu pai pediu a vários dignitários de Florença que comparecessem. O outro
braço, minha querida.
E tu..., tu irás, Giulietta, não
é verdade? Não, cara, esta noite não. Perguntei à sua mãe se podia comer
sossegada cá em cima. Oh, Giulietta, não te sentes bem?, Lucrécia tomou as mãos
da velha nas suas. A segunda manga, que ainda não estava presa, caiu-lhe do
ombro. Não, cara, de maneira nenhuma, apenas um pouco cansada. Tenho tanta
pena! Por que diz isso, filha? Lucrécia apontou para o vestido amarrotado que
estava no chão, do outro lado do quarto. Parece que te dou sempre muito
trabalho. Vou apanhar o vestido, pô-lo de parte e... Giulietta esfregou a testa
da rapariga com o polegar, como se concedesse uma bênção episcopal, e em
seguida deu-lhe uma palmadinha na face. Desfrute esta ocasião tão importante, cara.
Sinto-me muito contente por ficar aqui em cima sozinha. Aquele pobre vestido já
não serve para nada excepto para deitar fora. Agora, dê-me o seu braço e
deixe-me acabar de prender essa manga». In Gabrielle Kimm, A sua Última Duquesa, O
que aconteceu a Lucrécia de Médici?, 2010, tradução de Maria Duarte, Planeta
Manuscrito, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-657-328-7.
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