«(…) O príncipe tem nove anos
quando os exércitos de Napoleão invadem o reino e o pai decide fugir para o
Brasil. A travessia do Atlântico vai tornar-se familiar para os seus olhos
negros e brilhantes: fá-la-á quatro vezes ao longo da vida. Fez-se homem no Rio
de Janeiro, entre o povo das tabernas, mulheres e cenas de pancadaria, muitas
vezes com maridos atraiçoados. Mas foi em São Paulo que casou, aos 19 anos, com
a arquiduquesa Leopoldina, filha de Francisco, último imperador do Sacro Império
Romano-Germânico e primeiro da Áustria, e sobrinha-neta da célebre Maria
Antonieta. O momento determinante da sua vida, contudo, chegaria três anos
depois...
Portugal, o país que tinha visto
fugir para o Brasil toda a família real e elites, que precisou de um comandante
estrangeiro, inglês, no caso, para se defender, podia gabar-se de uma coisa:
quase toda a Europa tinha sido tomada por Napoleão, boa parte dela à primeira
tentativa; Portugal sofrera três investidas francesas e nunca soçobrou. Com a
derrota de Bonaparte em Waterloo e subsequente desterro para a ilha de Santa
Helena, ficava o orgulho de um pequeno país que saía invicto do embate com um
gigante (ainda que os ingleses o viessem a retratar como pouco mais do que um
anão), mesmo que abandonado pelos seus líderes.
Esse orgulho, essa prova de vida
e, finalmente, essa certeza de ter sobrevivido 13 duros anos sem rei, tinham de
efectivar-se em qualquer coisa concreta. Assim, a partir da cidade do Porto e
estendendo-se, depois, a muitos círculos do país, começou a formar-se a
convicção de que o tempo dos senhores absolutos chegara ao fim. O Ocidente, de
França aos Estados Unidos, já,fizera as suas revoluções liberais; era
chegada a hora da revolução portuguesa. Em 1821, a família real é chamada a voltar para renunciar a boa parte
dos seus poderes e assinar os termos de uma monarquia constitucional, com
parlamento, eleições, separação de poderes, liberdade de imprensa, liberdade
religiosa, uma lei fundamental escrita consagrando valores de igualdade. O
rei João VI e aquela que continua a ser formalmente sua mulher, dona Carlota
Joaquina, despedem-se do Brasil e embarcam para Lisboa; o filho Miguel, que tem
agora 19 anos, também; mas Pedro não. Ou porque foi ali que cresceu, ou porque
apoia os movimentos autonómicos locais, ou de concerto com o próprio pai, para
reinar sobre um Brasil que evoluía, inexoravelmente, para a independência,
Pedro fica.
E passado pouco mais de um ano,
tomando conhecimento de que, em Portugal, se moviam influências diplomáticas para
voltar a reduzir o reino brasileiro à condição de colónia, assume a ruptura
junto ao riacho do Ipiranga, em São Paulo, grita independência ou morte. Ganha a primeira. Pedro é aclamado imperador
do Brasil.
Em
nome da vontade de fazer daquele território imenso e em boa medida selvagem um
país uno e desenvolvido, o filho de João vai renunciar a ser rei de meio mundo.
A decisão de ficar daquele lado do Atlântico e emancipá-lo significava, desde
logo, recusar o trono português e o império adjacente de que era herdeiro
legítimo, mas outros chamamentos viriam, e das proveniências mais inesperadas.
Libertas de 400 anos de domínio turco, as províncias do antigo Império Romano
do Oriente procuram reis que as dirijam numa nova era enquanto nações
soberanas. A Grécia endereça o convite a um homem que ainda é descendente dos
imperadores da velha dinastia Comnenus, precisamente Pedro, mas ele
recusa. A própria Espanha, emancipada da ocupação napoleónica e dilacerada pela
guerra entre absolutistas e liberais, vê em Pedro, liberal e libertador do
Brasil, o homem certo para a comandar, mas ele, uma vez mais, prefere ficar do
lado de lá a consolidar um novo país. Dizia assim que não a uma oportunidade
sem paralelo em toda a História: ser imperador da Ibéria e das respectivas
províncias ultramarinas, isto é, de grande parte da América Latina e da África,
estendendo-se até Macau ou Filipinas, na Ásia longínqua». In Alexandre Borges, Histórias
Secretas de Reis Portugueses, Casa das Letras, Lisboa, 2012, ISBN
978-972-46-2131-9.
Cortesia
CdasLetras/JDACT