quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Uma Rainha Inesperada. Isabel Pina Baleiras. «A excelência do seu trabalho e a sua intensa formosura conquistaram o coração do bom lavrador. Acabou por lhe pedir a mão em casamento e Ximena aceitou de bom grado»

jdact

Fernão Lopes, a verdade e a história
«(…) Ana Paula Sousa sublinhou a urgência da dinastia de Avis em legitimar as suas origens (a bastardia e o golpe de Estado). Isabel Barros Dias afirmou que, quanto mais próximo se está dos acontecimentos narrados, mais feroz é a crítica, embora esta se faça de modo velado, não assumido. Segundo a investigadora, a exaltação dos novos detentores do poder tornava tentador o aproveitamento a partir de figuras marcadas como negativas, tais como Fernando e dona Leonor Teles. E o que teve a dizer Fernão Lopes sobre este assunto? Obviamente ele não escutou os reparos que sucintamente parafraseámos. Mas no seu Prólogo à Crónica de D. João I, primeira parte, respondeu já a algumas das questões suscitadas. Ao escrever as crónicas dos reis passados e do rei presente, João I, Fernão Lopes afirmou que a sua intenção não fora escrever um romance ou deturpar os factos históricos, de acordo com as conveniências afectivas e políticas, como tinham feito alguns historiadores de Castela e de Portugal que se haviam desviado da direita estrada, e corrido por semideiros escusos. Tão-pouco foi buscar a eloquência do discurso, pois se outros per venrura em esta crónica buscam formosura e novidade de palavras e não a certidão das histórias, desprazer-lhes-á de nosso razoado. O seu objectivo principal foi apenas contar a verdade, qualquer que esta fosse: nosso desejo foi em esta obra escrever verdade sem outra mistura, leixando nos bons aquecimentos todo fingido louvor e nuamente mostrar ao povo quaisquer contrarias cousas da guisa que avieram. Se errar, foi por ignorância e não por vontade de deturpar a história, visto que mentira em este volume é muito afastada da nossa vontade.

A Lenda
Era uma vez um rei chamado Ordonho II, que governava em Leão em 921. Este rei tinha uma filha, Ximena, que era bela e gentil e que se deixara seduzir por um fidalgo da corte de seu pai. Algum tempo depois, a bela infanta viu-se abandonada pelo seu bem-amado. Sentindo-se só e amargurada, Ximena resolveu recolher-se no lugar de Meneses, em terra de Campos. A sobrevivência obrigou-a a procurar trabalho na casa de um lavrador abastado e honrado, que se chamava Telo Sanchez. Este acabou por se comover pelos modos modestos e desamparados que a bela serva demonstrava ter nas suas lides. A excelência do seu trabalho e a sua intensa formosura conquistaram o coração do bom lavrador. Acabou por lhe pedir a mão em casamento e Ximena aceitou de bom grado.
Passado pouco tempo, tinha já o casal dois filhos gémeos, Ordonho foi caçar para as montanhas e, chegada a noite, pediu agasalho na casa de Telo, a principal daquele lugar. Ximena reconheceu o ilustre viajante e, não querendo perder a oportunidade de se dar a reconhecer ao pai, preparou-lhe um belo repasto. Enquanto isso, resolveu ir buscar o vestido de brocado com que fugira da corte e um anel de rubi que o pai lhe tinha dado. Do vestido fez duas vestes para cada um dos seus filhos e o anel deitou-o no prato do pai, onde serviu um preparado de massa, azeite e ovos, a comida preferida do rei. À hora da refeição, Ximena mandou os filhos, vestidos com as ditas vestes, servirem o hóspede. Ordonho, que ainda não tinha suspeitado de nada, surpreendeu-se ao ver as duas crianças trajadas daquela singular maneira.
Depois, quando provou o manjar, admirou-se por lhe terem servido o seu prato predilecto. Mas a surpresa maior foi quando descobriu, no interior da massa, o anel de rubi! Ximena atirou-se então a seus pés e pediu-lhe perdão pela sua conduta. Ordonho reconciliou-se com a filha e reconheceu a magnitude do lavrador que casara com Ximena, julgando elevá-la socialmente. Declarou os filhos do casal como seus netos e nobilitou o lavrador. A família, unida, feliz e aumentada, partiu para a corte, onde foram celebradas justas festejando o regresso de Ximena e a sua descendência. Esta é a lenda que está associada ao lugar de Meneses, onde a família de Leonor Teles teve raízes. Cruzando esta narrativa com a História, sabemos que Ordonho II nasceu em 860 e faleceu em 924. Foi rei da Galiza, de 910 a 924, e rei de Leão, entre 914 e924. Casou três vezes, mas só teve descendência do primeiro consórcio, tendo sido Ximena a terceira dos seus filhos bastardos. Sucedeu-lhe o seu irmão, Fruela II, que reinou em Leão entre 924 e 925 e nas Astúrias entre 910 e 925. Fruela II foi o duodécimo avô de dona Leonor Teles». In Isabel Pina Baleiras, Uma Rainha Inesperada, Leonor Teles, Temas e Debates, Círculo de Leitores, 2013, ISBN 978-989-644-230-9.

Cortesia de CLeitores/Temas e Debates/JDACT