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«Porque nasceste quando a neve tombava?
Devias ter vindo quando o cuco
chamava.
Ou quando as uvas estão verdes
nas vinhas
ou pelo menos quando as lestas
andorinhas
voam para escapar
ao verão a acabar».
[…]
In Christina Rossetti, A Dirge
«(…) Robin ficou imóvel, com a
boca ligeiramente aberta, sentindo um encantamento que ninguém que a conhecesse
poderia ter compreendido. Nunca tinha confidenciado a um só ser humano que
fosse (nem mesmo a Matthew) a sua ambição secreta e infantil de toda a vida. E que
isso fosse acontecer hoje, logo hoje! Parecia um piscar de olhos de Deus (e
também isso, de algum modo, ela relacionava com a magia do dia; com Matthew e o
anel; embora, devidamente considerados, não houvesse qualquer relação). Saboreando
o momento, aproximou-se lentamente da porta com as letras gravadas. Estendeu a
mão esquerda (com a safira agora sem brilho, a esta luz fraca) na direcção do
puxador da porta; mas antes de ter tempo de lhe tocar também a porta
envidraçada se abriu de rompante. Desta vez, Robin só não escapou por um triz;
cem quilos de homem todo enxovalhado colidiram com ela; Robin perdeu o equilíbrio
e foi catapultada para trás, com a mala de mão a voar, os braços a adejar como
pás de moinho, na direcção do vazio para lá da escadaria mortífera.
Strike absorveu o impacto, ouviu
o grito agudo e reagiu instintivamente: estendendo o braço comprido, agarrou
num punhado de tecido e de carne; um segundo guincho de dor ecoou pelas paredes
de pedra, e a seguir, puxando e esbracejando, ele conseguiu voltar a pôr a
rapariga em terreno firme. Os guinchos dela ainda ecoavam pelas paredes e
Strike apercebeu-se de que ele próprio tinha berrado Jesus Cristo! A rapariga
estava contorcida com a dor contra a porta do escritório, a gemer. Pela maneira
corno estava corcovada, virada de lado, com uma das mãos enfiada debaixo da
lapela do casaco, Strike deduziu que a salvara agarrando-lhe uma parte
substancial do seio esquerdo. Uma cortina espessa e ondulada de cabelo muito
louro escondia a maior parte do rosto corado da rapariga, mas Strike via lágrimas
de dor a pingarem do olho que não estava coberto pelo cabelo. … da-se...
Desculpe! A sua voz alta reverberou nas escadas. Eu não a vi... não esperava
que estivesse alguém aqui... Por baixo dos pés deles, o estranho e solitário designer gráfico que ocupava o
escritório do andar de baixo berrou: o
que é que está a acontecer aí em cima!, e um segundo depois uma queixa abafada
vinda do andar de cima indicou que o gerente do bar do rés-do-chão do prédio,
que vivia num apartamento no sótão por cima do escritório de Strike, também
tinha sido incomodado, talvez até acordado, pelo ruído. Strike empurrou a porta
com a ponta dos dedos, para não ter qualquer contacto acidental com o corpo
dela enquanto ela estivesse encolhida contra a porta e mandou-a entrar para o
escritório. Está tudo bem?, perguntou o designer
gráfico num tom quezilento.
Strike bateu com a porta do
escritório atrás de si. Eu estou bem, mentiu Robin numa voz trémula, ainda
corcovada, com a mão no peito, e de costas para ele. Ao fim de um ou dois
segundos, ela endireitou-se e voltou-se para ele, com o rosto corado e os olhos
ainda marejados de lágrimas. O seu atacante acidental era gigantesco, a sua altura
e o facto de ser peludo, combinados com um princípio de barriga, davam-lhe o
aspecto de um urso-pardo. Tinha um dos olhos inchado e pisado, com um corte na
pele logo abaixo da sobrancelha. Sangue seco depositava-se em arranhões com
rebordos brancos na face esquerda e no lado direito do seu pescoço grosso,
revelado pelo colarinho aberto da camisa engelhada. É o se... senhor Strike?,
sou. ... eu sou a temporária. A quê? A secretária temporária. Da Soluções
Temporárias? O nome da agência não varreu o ar de incredulidade do rosto dele.
Ficaram a olhar um para o outro, nervosos e antagonizados». In
Robert Galbraith, Quando o Cuco Chama, tradução de Ana Saldanha, Maria Segurado
e Rita Figueiredo, Editorial Presença, 2013, ISBN 978-972-235-153-9.
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