domingo, 23 de agosto de 2015

Imperatriz dona Leopoldina. Marsilio Cassotti. «Desde que o médico imperial lhe confirmara que estava de novo grávida, talvez se tivesse colocado, em algum momento, a velha pergunta: menino ou menina? Embora soubesse, por experiência própria, que o destino das princesas reais…»

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O sonho de uma imperatriz, 1797
«Sentada na borda da parte de trás de uma carroça que os camponeses usavam para transportar palha, Maria Antonieta parece indiferente a tudo o que a rodeia. Como se os insultos que a multidão lhe vai gritando, enquanto a conduzem à morte pelas ruas de Paris, fossem dirigidos a outra pessoa. Quem poderia ter reconhecido naquela mulher, de touca e lábio inferior saliente, dobrado num esgar de desprezo, a radiante arquiduquesa austríaca que tinha chegado 23 anos antes a Versalhes para fazer a felicidade de França? À guilhotina! A guilhotina!, gritou de súbito outra mulher. A raiva que lhe sai da boca é tão intensa que a rainha não pode deixar de virar a cabeça e olhá-la. É possível que esta cena tivesse cruzado a mente da imperatriz dona Maria Teresa no dia em que deu à luz a arquiduquesa dona Leopoldina Habsburgo, em princípio destinada a ser rainha de Portugal. Tantas vezes lhe tinham falado da morte da tia que não seria estranho que até tivesse sonhado com ela. Não se sabe quem terá sido o primeiro a contar-lha, talvez a sua mãe, a irmã favorita da dona Maria Antonieta.
Seja como for, naquela madrugada de 22 de Janeiro de 1797, a imperatriz dona Maria Teresa não ouvia em seu redor os gritos da plebe de Paris, mas antes os ruídos característicos de um quarto em que uma mulher está em trabalho de parto. No seu caso, os aposentos de tectos altos e de portas douradas de uma ala do palácio imperial de Viena. Nevava copiosamente nessa madrugada, e o silêncio da praceta situada aos pés das janelas dos seus aposentos ainda não tinha sido quebrado pelo repicar dos sinos da capela imperial a chamar para a primeira missa de domingo.
Estando prestes a dar à luz um novo descendente do imperador do Sacro Império Romano-Germânico, evocar a morte violenta da rainha dona Maria Antonieta de França poderia ser interpretado como mau agoiro. Sobretudo quando a parturiente nascera e fora criada em Nápoles, cidade conhecida pelas crenças e superstições dos seus habitantes de todas as classes. Assim sendo, se em algum momento dessa madrugada lhe tivesse passado pela mente a imagem da tia enquanto era conduzida à guilhotina, dona Maria Teresa tê-la-ia afastado rapidamente, preferindo recordar que, na Áustria, se considerava um bom presságio que uma criança nascesse num domingo. Entretanto, o parteiro imperial tentaria parecer seguro de si enquanto as nobres aias trocariam olhares furibundos, disputando o privilégio de colocar mais uma almofada no leito da imperatriz.
Desde que o médico imperial lhe confirmara que estava de novo grávida, talvez se tivesse colocado, em algum momento, a velha pergunta: menino ou menina? Embora soubesse, por experiência própria, que o destino das princesas reais era, ao casarem-se, acabar quase sempre muito longe do local de nascimento, dona Maria Teresa sempre desejara ter muitas filhas. Mas tudo isso mudara depois de terem cortado a cabeça à sua tia. E, acima de tudo, desde que aqueles franceses frívolos tinham decidido levar a sua Révolution a outros Estados da Europa. É provável que dona Maria Teresa tivesse ouvido alguma vez a sua mãe, a mais inteligente das irmãs de dona Maria Antonieta, dizer que na história da Europa não era raro que as rainhas pagassem os erros políticos cometidos pelos respectivos esposos. Algo paradoxal, dado que muitas vezes era através das mulheres que os homens alcançavam dimensão histórica». In Marsilio Cassotti, Imperatriz D. Leopoldina, tradução de Sandra Dolinsky, Manuscrito Editora, 2015, ISBN 978-989-881-803-4.

Cortesia de ManuscritoE/JDACT