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João foi capciosamente aceitando
tais incumbências, e simultaneamente consolidando o poderio da sua casa com
valiosas mercês outorgadas por Filipe IV. Terá constituído uma profunda
surpresa para Castela a adesão de João à causa dos conjurados, ficando por
esclarecer a estratégia do duque, entre prudente e ambígua, mantendo a sua
reserva na aceitação da coroa até meados de Novembro de 1640. O apoio de dona Luísa Gusmão à decisão do marido é consensual
nas diferentes fontes históricas sendo, contudo, relegada para o domínio da
lenda a sua épica frase antes viver reinando que acabar servindo, que a
história, de facto, não regista. Consumada a restauração da independência, a 1
de Dezembro de 1640, com a lendária
defenestração de Miguel Vasconcelos e a prisão da duquesa de Mântua, o 8.º duque
de Bragança é aclamado rei de Portugal a 15 de Dezembro seguinte, sob o
nome de João IV, inaugurando, assim, a última dinastia de Portugal.
João
IV é descrito pelos seus biógrafos como de estatura mediana, de rosto cheio e
corado, ornado de barba loura, mais clara que o cabelo, e salpicado de
cicatrizes de varíola que contraiu por volta dos 15 anos. Nada mais é assinalado
sobre a saúde do rei até Dezembro de 1654,
altura em surgem os primeiros sintomas da doença que o levaria à morte, cerca
de dois anos depois. O rei sofre um episódio de retenção urinária, de provável
etiologia obstrutiva, descrito pelo seu médico pessoal, Francisco Morato Roma, de
forma elucidativa: … estando el-rei nosso
senhor João IV, nos campos de Salvaterra, numa madrugada de Dezembro à caça, e
depois de alguns dias de exercício, a pé e a cavalo, lhe sobreveio uma
repentina e total supressão de urina. Deu conta aos médicos, que palparam e tentaram
as vias da urina e acharam que a supressão era superior, porquanto na bexiga
nem na uretra havia urina detida. Começaram a aplicar remédios e, como não
bastassem, suposto que não havia febre nem dor, o sangraram por haver
enchimento nas veias. Não bastaram estas evacuações para desembaraçar as vias
da urina, passaram a banhos e cozimentos de ervas apropriadas em que se banhava
de manhã e à tarde. Estando no banho tomava remédios diuréticos, assim em
bebidas como em substância, quintas essências e outros de grande eficácia. Ajuntaram-se
os médicos da câmara real, que eram sete, concordaram todos assim no conhecimento
do achaque, como na aplicação dos remédios. Passaram-se neste aparato quatro
dias e como nestes casos o prognóstico é de pouca esperança, tratou-se de
acudir a Deus. Comungou sua majestade, fizeram-se preces, vieram relíquias, continuando-se
os remédios com muito cuidado.
Ao
5º dia se assentou entre os médicos tomasse as pílulas de aço. Levantou-se sua
majestade, tomou cinco pílulas, que teriam meia oitava de aço, passeou meia hora,
recolheu-se, descansou e nisto pediu retrete. Tomou o urinol, lançou quantidade
de uma onça de urina, com a qual saiu um limo de fleima, coisa pequena, e
trazia consigo envolta uma pedrinha branca da figura e tamanho de uma pevide de
limão pequeno. Foi continuando a urinar em tanta cópia que naquele dia e no
outro lançou três canadas e no dia seguinte outro tanto. No quarto dia tornou a
natureza o seu curso ordinário. Nos dois anos seguintes, não dispomos
de informação sobre a evolução da saúde do rei João IV. A 4 de Outubro
de 1656, surge novo episódio de
retenção urinária que lhe seria fatal, ao fim de duas semanas de sofrimento». In
José Barata, A Doença e as Mortes dos Reis e Rainhas na Dinastia de Bragança,
Verso da Kapa, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-840-654-5.
Cortesia
de Verso Kapa/JDACT