Cantiga. Partindo-se
«Senhora, partem tão tristes
meus olhos, por vós, meu bem,
que nunca tão tristes viestes
outros nenhuns por ninguém.
Tão tristes, tão saudosos,
tão doentes da partida,
tão cansados, tão chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tão tristes os tristes,
tão fora de esperar bem,
que nunca tão tristes vistes
outros
nenhuns por ninguém».
Poema de João Roiz Castelo Branco (século XV)
«Desarrezoado amor, dentro em meu
peito
tem guerra com a razão, amor que jaz
e já de muitos dias, manda e faz
tudo o que quer, a torto e a direito.
Não espera razões, tudo é despeito,
tudo soberba e força, faz, desfaz,
sem respeito nenhum, e quando em paz
cuidais que sois, então tudo é desfeito.
Doutra parte a razão tempos espia,
espia ocasiões de tarde em tarde,
que ajunta o tempo: enfim vem o seu
dia.
Então não tem lugar certo onde aguarde
amor; trata traições, que não confia
nem
dos seus. Que farei quando tudo arde?»
Soneto de Sá Miranda (1481-1558)
«Onde porei meus olhos que não veja
a causa, donde nasce meu tormento?
A que parte irei co pensamento
Que para descansar parte me seja?
Já sei como s’engana quem deseja,
em vão amor firme contentamento,
de que, nos gostos seus, que são de
vento,
sempre falta seu bem, seu mal sobeja.
Mas inda, sobre claro desengano,
assim me traz est’alma sogigada,
que dele está pendendo o meu desejo;
e vou de dia em dia, de ano em ano,
após um não sei quê, após um nada,
que,
quanto mais me chego, menos vejo».
Soneto de Diogo Bernardes (1520-1605)
In
Inês Pedrosa (organização), Poemas de Amor, 2000, Antologia de Poesia
Portuguesa, Publicações dom Quixote, Lisboa, 2001, 2010, ISBN
978-972-201-944-6.
Cortesia
PdQuixote/JDACT