Maio
«(…) No primeiro domingo, dispensaram-me. Pois bem, senti a falta
daquele convívio diferente. Não era só, afinal, o dinheiro que me davam a
ganhar era a companhia. Uma variante. Nesta terra a gente aborrece-se. E ainda
a missa ia a santos… não fui ao estádio ver jogar o Alhandra contra o
portimonense, com a intenção de poupar dinheiro para lhes oferecer um almoço,
mesmo que fosse modesto. Queria compreender… e apetecia-me, ao menos uma vez,
ser eu a convidar. Como tinha combinado levá-las a Olhão, para lhes mostrar as
açoteias, talvez aí, no porto; gostam é de petiscos típicos e de tabernas…
Quando chega o Verão, dir-se-ia que esta terra só tem lojas com bóias e
sacos de praia. Estamos a viver dos turistas, cada vez mais, e porque não?, mas
não havíamos de ficar assim de gatas, ou então desconfiados, diante deles;
temos de nos habituar. A classe de gente que mais os estranha, aqui na
província, são os remediados, todos vestidos de preto, desde o chapéu à
biqueira dos sapatos; e por dentro também andam de luto. A Marta entende-se com
eles, é capaz de fazer visitas ao domingo, eu não. Mas estas horas de maior
calor são chatas. À noite ainda há a televisão, em quase todos os cafés. De tarde,
estão praticamente vazios, a não ser o Nacional, que sempre tem mais animação
por causa dos bilhares; cinco mesas que não chegam para a rapaziada fazer o
gosto ao dedo. No entanto, o café propriamente dito fica também às moscas. Há ventoinhas
no tecto, mas não trabalham. O mudo vai de um a outro dos fregueses, já bêbado,
a tropeçar, pedindo tabaco por gestos. Sempre encontra quem lhe dê algum
cigarrito e quem lho acenda.
As senhoras, quando adrega á ir a mulher de algum amanuense ou caixeiro
viajante, desviam os olhos dele, porque traz a cara tão suja e tão
desavergonhada que lhes mete nojo; e às vezes, se lhe recusam o que pede, faz
manguitos, aos impos, e chega a desabotoar a braguilha. Já há muito que devia
estar no manicómio, diz o cauteleiro, a quem o mudo estorva no negócio, por
maçar as pessoas até ao sabugo das unhas, antes de ele, por sua vez, as
aporrinhar. Nunca pude entender onde é que este homenzinho limpo e engravatado,
que lembra um pato na madeira de andar, com aquela grande pasta debaixo do
braço, vai buscar tanta lábia, pior do que um padres desses novos que vêm de
fora pela Páscoa, com o sermão todo empinado e muitos gestos na ponta dos
dedos». In Urbano Tavares Rodrigues, Imitação da Felicidade, Publicações
Europa-América, Mem Martins, colecção Século XX, 1988.
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