«A afirmação de Portugal como
reino independente foi um processo complexo, marcado por duas dinâmicas político-militares
complementares, que já referi noutros episódios, a rivalidade entre as monarquias
cristãs e a guerra contra os mouros. Portugal impusera-se no momento em que o
islão peninsular fraquejava, no ocaso dos Almorávidas, e sobrevivera ao grande assalto
almóada, embora tivesse perdido todas as conquistas a sul do Tejo, salvo Évora.
Ao mesmo tempo, mantivera uma relação tensa com o reino vizinho de Leão, marcada
por casamentos anulados e por alianças entre os leoneses e os mouros. Aliás, a primeira
bula de cruzada concedida ao reino de Portugal destinara-se a legitimar a guerra
contra Leão, por este reino se ter aliado aos Almóadas. A subida ao trono de Afonso
II, em 1211, foi marcada pelo estalar
de um conflito entre o rei e os seus irmãos e irmãs, o que atraiu os leoneses para
a guerra civil portuguesa.
Entretanto, na Páscoa de 1272, três reis encontraram-se em Toledo:
Afonso VIII de Castela, Pedro II de Aragão e Sancho VII de Navarra. Congregaram
as suas hostes e as das ordens militares e terão recebido ainda um reforço de peões
e cavaleiros enviados por Afonso II de Portugal. O grande exército avançou para
sul e derrotou o inimigo em Las Navas, há oitocentos anos. Afonso VIII vingava
a derrota sofrida na Batalha de Alarcos, em 1195, e os Almóadas ficavam feridos de morte; deixavam de ser uma verdadeira
ameaça para a cristandade peninsular, mas continuavam fortes nos seus bastiões,
pelo que a marcha dos cristãos para sul só ganhou um novo fôlego no final dos
anos 20. Entretanto, no momento em que o grande exército cristão enfrentava os
sarracenos, as forças de Afonso IX de Leão invadiam Portugal e Afonso II recolhia-se
ao Norte do país, mas sairia vencedor do conflito, beneficiando do apoio do rei
de Castela. Nesse ano crucial, el-rei Afonso II ganhou em todos os tabuleiros do
complexo xadrez hispânico, pois beneficiou do triunfo do sogro castelhano e do
primo aragonês em Las Navas que tornou a fronteira meridional mais segura, logrou
resistir à investida do primo leonês e impôs-se aos seus irmãos dentro do reino.
Centralizar, resistir ao vizinho peninsular e avançar contra o vizinho muçulmano
constituiu afinal uma matriz secular da monarquia portuguesa». In
João Paulo Oliveira Costa, Episódios da Monarquia Portuguesa, Círculo de
Leitores, Temas e Debates, 2013, ISBN 978-989-644-248-4.
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