A Cidade Renascentista Portuguesa
«(…) Durante os séculos XV e XVI os grandes contributos para a
história do urbanismo em Portugal são bastante mais significativos ao nível da
reforma, alteração ou expansão de cidades existentes, do que da fundação ou
criação de novas cidades no continente. Apesar de não se constituírem novas
cidades no continente as preocupações urbanísticas verificam-se. Nesta altura,
estas iriam fundamentalmente no sentido da criação de regras que regulamentem a
vida urbana das cidades existentes. Percebe-se igualmente uma intenção deliberada
de planeamento relativamente aos núcleos urbanos já consolidados que se
reflecte, na valorização estética da cidade e na inovação dos traçados. Durante
o período de Manuel as preocupações de carácter sanitário, estético e funcional
tornam-se relevantes, transformando por vezes a imagem da cidade. Em 1521 surgiu um conjunto de normas, as Ordenações
Manuelinas, bastante ampliadas em relação às anteriores, 1447, Ordenações Afonsinas, e
também uma série de posturas, cartas, etc., que por vezes reflectiam esse novo
tipo de preocupações e tornavam possível a renovação a nível urbano. Ao nível
da arquitectura um novo tipo de prática que excluía do seu vocabulário,
balcões, varandas, avançados, consolas, etc. deu origem a um tipo de alçado
praticamente sem saliências e cuja consequência em termos urbanos foi no
desimpedimento das ruas. Este conjunto de preocupações está bem patente no Livro
das Posturas Antigas da cidade de Lisboa.
Tem grande significado
para a evolução urbana das cidades portuguesas o facto de nesta altura começar
a haver contactos de Portugal com o renascimento italiano. A influência do
desenho renascentista, presente nos tratados de Alberti (1452), Filarete (1460/65),
Viturvio (reeditado em 1511) e
Palladio (1556), imprime às
cidades um sentido de modernidade patente em reformas e ampliações de algumas
cidades portuguesas. A nível do traçado urbano, neste período podemos detectar
a consolidação das características apontadas para a cidade medieval e a
existência de novas formas relativas à morfologia urbana e aos modos de pensar
as cidades e que corresponde ao período que podemos designar como renascentista.
Nesta época, vulgariza-se a utilização de modelos urbanos regulares, tanto no
caso de reformas de povoações pré-existentes, como no caso de fundações de
novas cidades tanto em África, como no Brasil e na Índia. Com alguma influência
do desenho renascentista, a regularidade das malhas persiste, no entanto esta
demonstra um novo sentido de modernidade, expressão de uma nova atitude para
com a cidade. Segundo Manuel Teixeira, a nível da estrutura dos quarteirões e
da estrutura do loteamento, cada um dos
lotes urbanos passa a ter uma única frente virada para a rua (...) os lotes que
os compõem ou se organizam costas com costas ou dão para as quatro ruas que
definem o perímetro do quarteirão. Segundo a mesma fonte, a nível de
intervenções na cidade o urbanismo renascentista adoptou três tipologias
urbanas fundamentais que foram utilizadas extensivamente nas suas intervenções:
- a rua com um traçado rectilíneo e ordenado;
- as praças fechadas e regulares;
- e as malhas urbanas ortogonais.
A nível do desenho e da
composição urbanas, a mesma fonte refere que as estratégias utilizadas incluíam a simetria, referida a um ou mais
eixos; a utilização da perspectiva e o fechamento de vistas através da
colocação de edifícios, monumentos ou elementos urbanos significativos no enfiamento
de ruas ou de grandes eixos; a utilização do mesmo tipo de elementos como
pontos focais de praças, ou de espaços urbanos que se viriam a estruturar como
praças em torno desses elementos; [e] a integração de edifícios individuais em
conjuntos arquitectónicos harmónicos, muitas vezes através do ordenamento e da
repetição das fachadas. Para além das novas tipologias adoptadas nas malhas
das novas extensões urbanas e de uma nova atitude perante a composição e o desenho
urbanos, em termos práticos o processo de modernização das cidades reflectiu-se
na reforma dos espaços públicos das cidades, (como, por exemplo, no
reordenamento de terreiros e largos mal definidos) e na construção de um número
significativo de edifícios institucionais como por exemplo, casas da câmara,
misericórdias, hospitais e novas igrejas matrizes. Neste sentido Rossa refere, os
rossios, terreiros ou largos junto
às portas das cidades, por regra sempre exteriores, mas com excepções como
Setúbal, foram gradualmente reformados em praças onde frequentemente se
construiu de novo a casa da Câmara. Nas novas praças, ou por perto,
implantou-se o quipamento/instituição urbano de invenção mais recente e
exclusiva, a Misericórdia. Esta deve ser entendida como um conjunto de igreja,
zona administrativa e todas as dependências assistenciais que eram a essência
do seu funcionamento, hospitais e albergarias». In Teresa Madeira, Urbanismo,
Comunicação apresentada no Colóquio Internacional Universo Urbanístico
Português, 1415-1822, Coimbra, 1999.
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