Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico
naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«Nos inícios do século XX a Inglaterra vê dois países, a Alemanha e os
E.U.A. disputarem-lhe a supremacia naval. A Alemanha só poderá ser um sério
competidor se obtiver bases navais ou bons portos fora do Mar do Norte, no
Atlântico. A sua política vai pois ser a de tentar obter concessões em zonas
estrategicamente importantes. Os Açores, a Madeira, as Canárias, Marrocos,
Fernando Pó, Cabo Verde e a Baía do tigres, a sul de Angola, assumem assim
grande valor. As ilhas portuguesas, Açores e Madeira, são boas bases de
reabastecimento para os navios a carvão que seguem as rotas entre a América
latina e a Europa, a América e o Mediterrâneo ou mesmo entre a África e a Europa.
Para compreender o interesse alemão nas ilhas atlânticas portuguesas e o papel
do desafio do imperialismo germânico na relação de Portugal com o exterior. Vejamos
as linhas de força de estratégia naval e política no contexto da rivalidade
naval anglo-alemã. A 24 de Novembro de 1899, Joseph Chamberlain, numa audiência com o Kaiser, de visita a
Inglaterra, sugerira um acordo com a Alemanha sobre Marrocos, em que Tânger
ficaria para a Inglaterra e a costa atlântica marroquina para a Alemanha.
NOTA: Guilherme II, imperador alemão (1359-1941) imperador da
Alemanha e rei da Prússia desde 15. 6. 1888, filho do imperador Frederico III e
da princesa inglesa Vitória, coroada imperatriz Frederica. Entrou em conflito
com Bismarck devido a divergências face à política alemã. O velho chanceler
apresentou a sua demissão em Março de 1890. Em política interna, Bismarck
levava, desde 1879, uma luta contra o socialismo e o sindicalismo. O imperador
temia que a luta contra o operariado viesse a provocar grande instabilidade
social e política. Em política externa, o imperador era muito influenciado
pelos meios militares que criticavam a política russa de Bismarck, acusando-o
até de russofilia. Após a demissão do chanceler, o Governo alemão renunciou a
manter um acordo secreto com a Rússia. Além disso, o imperador, ambicioso,
queria fazer da Alemanha uma potência naval que viesse a estar em pé de
igualdade com a Inglaterra. Em 1896, Guilherme II anunciava, num discurso feito
na Sociedade Colonial Alemã, que a Alemanha ia realizar uma política mundial
(Weltpolitik), apoiada pelo desenvolvimento da frota mercante e da de guerra.
Em 1898, realizava uma viagem ao Médio Oriente e em 1905, desembarcava em
Tânger. Renunciou ao trono em 1918, exilando-se na Holanda.
Este plano não tinha aparentemente a ver com Portugal, mas a 8 de
Fevereiro de 1899, alguns meses
antes da audiência de Chamberlain com o Kaiser, Hatzfelt, (foi ministro
plenipotenciário em Madrid, onde assistiu às guerras carlistas. Era designado
por o melhor cavalo da cavalariça) em
conversa com Salisbury, fizera referência a boatos em que a Espanha, depois da
guerra com os E.U.A., buscaria uma recompensa em Portugal ou em Marrocos.
Hatzfeldt trata a questão marroquina e a portuguesa como se estas fossem
paralelas, já que tanto refere Marrocos como Portugal e salienta por fim a
forma dúbia como Salisbury responde às perguntas que lhe faz, evitando comprometer-se
tanto com uma eventual divisão das colónias portuguesas como com a partilha da
costa marroquina. O propósito de Hatzfeldt parece ser, o de utilizar a questão
do Acordo sobre as Colónias Portuguesas para levar Salisbury a ceder na questão
vital para a Alemanha das bases na costa atlântica marroquina:
Saliento a este propósito, que o Primeiro Ministro utilizou esta
palavra [divisons, divisons] acerca
das negociações portuguesas, em oposição à palavra partageons, para com isso deixar claro que não reconhecia o dever
de ter de dividir connosco, em metades iguais, as colónias portuguesas.
Logo após referir a questão das colónias portuguesas, Hatzfeldt faz uma
ameaça velada a Salisbury:
Respondi-lhe, em virtude da sua afirmação de hoje, que a Inglaterra ficava
também com a melhor parte no Acordo português, sem que nós tivéssemos feito
grande objecção. Em casos futuros, o nosso comportamento, ia depender também da
Inglaterra ter em consideração os nossos interesses».
In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra
Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de
Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.
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