quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial. Gisela Medina Guevara. «… numa audiência com o Kaiser, de visita a Inglaterra, sugerira um acordo com a Alemanha sobre Marrocos, em que Tânger ficaria para a Inglaterra e a costa atlântica marroquina para a Alemanha»

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Portugal e a nova relação de forças no Atlântico. Um plano estratégico naval conjunto, Portugal e Marrocos?
«Nos inícios do século XX a Inglaterra vê dois países, a Alemanha e os E.U.A. disputarem-lhe a supremacia naval. A Alemanha só poderá ser um sério competidor se obtiver bases navais ou bons portos fora do Mar do Norte, no Atlântico. A sua política vai pois ser a de tentar obter concessões em zonas estrategicamente importantes. Os Açores, a Madeira, as Canárias, Marrocos, Fernando Pó, Cabo Verde e a Baía do tigres, a sul de Angola, assumem assim grande valor. As ilhas portuguesas, Açores e Madeira, são boas bases de reabastecimento para os navios a carvão que seguem as rotas entre a América latina e a Europa, a América e o Mediterrâneo ou mesmo entre a África e a Europa. Para compreender o interesse alemão nas ilhas atlânticas portuguesas e o papel do desafio do imperialismo germânico na relação de Portugal com o exterior. Vejamos as linhas de força de estratégia naval e política no contexto da rivalidade naval anglo-alemã. A 24 de Novembro de 1899, Joseph Chamberlain, numa audiência com o Kaiser, de visita a Inglaterra, sugerira um acordo com a Alemanha sobre Marrocos, em que Tânger ficaria para a Inglaterra e a costa atlântica marroquina para a Alemanha.

NOTA: Guilherme II, imperador alemão (1359-1941) imperador da Alemanha e rei da Prússia desde 15. 6. 1888, filho do imperador Frederico III e da princesa inglesa Vitória, coroada imperatriz Frederica. Entrou em conflito com Bismarck devido a divergências face à política alemã. O velho chanceler apresentou a sua demissão em Março de 1890. Em política interna, Bismarck levava, desde 1879, uma luta contra o socialismo e o sindicalismo. O imperador temia que a luta contra o operariado viesse a provocar grande instabilidade social e política. Em política externa, o imperador era muito influenciado pelos meios militares que criticavam a política russa de Bismarck, acusando-o até de russofilia. Após a demissão do chanceler, o Governo alemão renunciou a manter um acordo secreto com a Rússia. Além disso, o imperador, ambicioso, queria fazer da Alemanha uma potência naval que viesse a estar em pé de igualdade com a Inglaterra. Em 1896, Guilherme II anunciava, num discurso feito na Sociedade Colonial Alemã, que a Alemanha ia realizar uma política mundial (Weltpolitik), apoiada pelo desenvolvimento da frota mercante e da de guerra. Em 1898, realizava uma viagem ao Médio Oriente e em 1905, desembarcava em Tânger. Renunciou ao trono em 1918, exilando-se na Holanda.

Este plano não tinha aparentemente a ver com Portugal, mas a 8 de Fevereiro de 1899, alguns meses antes da audiência de Chamberlain com o Kaiser, Hatzfelt, (foi ministro plenipotenciário em Madrid, onde assistiu às guerras carlistas. Era designado por o melhor cavalo da cavalariça) em conversa com Salisbury, fizera referência a boatos em que a Espanha, depois da guerra com os E.U.A., buscaria uma recompensa em Portugal ou em Marrocos. Hatzfeldt trata a questão marroquina e a portuguesa como se estas fossem paralelas, já que tanto refere Marrocos como Portugal e salienta por fim a forma dúbia como Salisbury responde às perguntas que lhe faz, evitando comprometer-se tanto com uma eventual divisão das colónias portuguesas como com a partilha da costa marroquina. O propósito de Hatzfeldt parece ser, o de utilizar a questão do Acordo sobre as Colónias Portuguesas para levar Salisbury a ceder na questão vital para a Alemanha das bases na costa atlântica marroquina:

Saliento a este propósito, que o Primeiro Ministro utilizou esta palavra [divisons, divisons] acerca das negociações portuguesas, em oposição à palavra partageons, para com isso deixar claro que não reconhecia o dever de ter de dividir connosco, em metades iguais, as colónias portuguesas.

Logo após referir a questão das colónias portuguesas, Hatzfeldt faz uma ameaça velada a Salisbury:

Respondi-lhe, em virtude da sua afirmação de hoje, que a Inglaterra ficava também com a melhor parte no Acordo português, sem que nós tivéssemos feito grande objecção. Em casos futuros, o nosso comportamento, ia depender também da Inglaterra ter em consideração os nossos interesses».

In Gisela Medina Guevara, As Relações Luso-Alemãs antes da I Guerra Mundial, A Questão da Concessão dos Sanatórios da ilha da Madeira, Faculdade de Letras de Lisboa, Edições Colibri, Lisboa, 1997, ISBN 972-8288-70-0.

Cortesia Colibri/JDACT