“A exploração marítima registará
então um esplendor jamais atingido…”
Cem anos gloriosos
Um século de navegações e de descobertas. Cronologia da expansão portuguesa
«(…) Durante doze anos, fazendo fé no cronista Gomes Eanes de Zurara, o
infante Henrique enviou barcos com a missão de dobrar o Bojador. Mas todos
falhavam. No décimo-segundo ano, o Infante mandou armar uma barca, cujo comando
entregou a Gil Eanes, natural de Lagos. Novo fracasso. Todavia, no ano seguinte
(1434),
Gil Eanes foi suficientemente bravo para acabar por dobrar o cabo
maldito. E apercebeu-se, ó maravilha, de que o outro lado não escondia nenhum
mistério. Chegou mesmo a terra, onde colheu, perto da praia, algumas flores
pare levar ao Infante, flores essas a que neste
reino chamamos rosas de Nossa Senhora.
Então, era como que tivesse sido esconjurada uma maldição. Algum tempo
depois (1435?), Gil Eanes voltou ao Bojador, com um navio de maior
tonelagem, desta vez acompanhado por Afonso Gonçalves Baldaia. Navegaram mais
para sul, atingindo talvez a Angra dos
Ruivos, a 24º 51’ de latitude norte. Em 1436, Afonso Gonçalves Baldaia prosseguiu o reconhecimento da
costa. Passou diante de uma baía que tomou pela embocadura de um rio, e, por
tal razão, chamou-lhe Rio de Ouro, e
chegou à Pedra da Galé, assim
designada por causa da sua forma.
Houve então uma pausa de quatro anos, explicável certamente pelas
graves preocupações que afligiam então a monarquia portuguesa: falhanço da expedição
contra Tânger (1437), morte do rei Duarte I (1438), disputas entre a
rainha-mãe e o infante Pedro durante a menoridade do futuro Afonso V. Mas foi
também necessário resolver certos problemas técnicos levantados pelas novas condições
de navegação. Até aí, eram utilizados barcos de pequena tonelagem, sem dúvida
de vela quadrangular, chamados batéis
e barinéis. Todavia, para fazer face
a mares mais temíveis e para navegar mais junto ao vento, condição
indispensável para poder regressar, houve que empregar um novo tipo de
embarcação, a caravela.
As caravelas já eram conhecidas, muito tempo antes, em Portugal; eram
barcos de pesca de pequenas dimensões, munidos de uma vela latina triangular.
Construiu-se caravelas de maiores dimensões, mas conservou-se a vela latina,
que permitia navegar com ligeireza e de remontar, enfrentando o vento.
O caminho em frente foi retomado por Nuno Tristão, também ele servidor
do Infante, que alcançou em 1441 o
cabo Branco, hoje Nuadhibu (ou Nouadhibou), no noroeste da Mauritânia (21º
de latitude norte), e conseguiu chegar a uma das ilhas de Arguim, na região
ainda hoje chamada banco de Arguim (Banc d'Arguin). Finalmente, em 1444, o mesmo Nuno Tristão chegou à Terra dos Negros, isto é, à embocadura
do Senegal, rio então considerado como um braço do Nilo. Aí se encontra a
fronteira que separa os Azenegues (ou Zanagas), Berberes, de raça
branca, dos Negros africanos. É a esta Terra de Negros, entendida no seu
conjunto a partir do rio Senegal, que os portugueses chamavam então Guiné. Em suma, a Guiné era África
negra.
Talvez no mesmo ano de 1444,
um certo Dinis Dias atinge a península do cabo Verde, assim chamada pelo
contraste que fazia em relação às regiões desérticas até então visitadas, por
se encontrar coberta de vegetação. Dinis Dias desembarcou numa ilha, certamente
a actual Gorea / Gorée)
situada na enseada de Bezeguiche,
Dacar. E, em 1446, Nuno Tristão penetra- a sul do cabo Verde num rio que, para
alguns, terá sido o Gâmbia, mas que, para outros, terá sido um dos
braços do Sine ou do Salum. Foi lá que ele morreu, vitimado por
uma seta envenenada, num combate contra os indígenas. No entanto, ainda nesse
mesmo ano, um outro capitão, Álvaro Fernandes, originário da Madeira, avançou
até à actual Guiné-Bissau».
In Lisboa e os Descobrimentos. 1415-1580. A invenção do Mundo pelos
Navegadores Portugueses. Coordenação de Carlos Araújo, Paul Teyssier, Terramar,
Memórias, Lisboa, 1992, ISBN 972-710-063-5.
Cortesia de Terramar/JDACT