Outras "imitações"
«(…) Os sociólogos, por exemplo, definiram a imitação como um facto social
elementar e característico, caracterizando esta a vida social, quer entre os
animais quer entre o Homem. O Homem progrediu mais do ponto de vista social
porque, segundo os sociólogos e antropólogos, porque imita um maior número de
seres e fá-lo de forma mais profunda. Graças à linguagem, imita não só o que se
vê, que se faz ou que se sente mas também o que se pensa.
A imitação e o Renascimento
O tema da imitação, se foi lançado por Platão, como se viu, o conceito em si era para este filósofo mais alargado do que é hoje, conotando-o tanto com o mal e com as coisas secundárias como lhe dava também um sentido mais positivo, conferindo-lhe um significado simbólico, foi com o Renascimento que ganhou expressão e um conjunto de interrogações cada vez mais arrebatadas, procurando-se desde então um mais claro discernimento entre os verdadeiros espíritos criadores e os copistas ou plagiadores. Foi talvez o problema mais agudo e traumático dessa época, que por um lado afirmava orgulhosamente a sua originalidade ou criatividade mas que não deixava de assentar num regresso ao passado glorioso dos clássicos gregos e romanos. Todo o médico do século XVI tinha que ter lido Hipócrates e Galeno, como todos os filósofos e pensadores escolásticos na Idade Média tinham que ter lido Aristóteles. Em S. Tomás de Aquino, já no século XIII, não se pode entender toda a sua monumental criação filosófica que é a sua Summa Theologica sem se conhecer Aristóteles e as suas categorias do conhecimento humano. Mesmo um orador não o poderia ser no Renascimento sem nunca ter lido Cícero, Bartolomeo Ricci, na sua De Imitatione (1545), defendeu que o indivíduo tem duas alternativas: ou deve procurar conformar-se a um modelo exterior ou então seguir a sua natureza sem imitar ou seguir alguém. Montaigne, mais tarde, ultrapassa esta ideia de Ricci, introduzindo o tema do mastigar de novo, enquanto nova forma de revisitar os Clássicos. Muitos já o tinham feito, à sua maneira, como Petrarca e o tema das abelhas, de Séneca, como fez também F. Bacon, ou S. Bernardino de Siena, como o seu Sermão da Quaresma de 1425, imitando o Cristianismo primitivo. Para o indivíduo do Renascimento, enfim, compreender ou procurar modelos nos Antigos é compreender-se a si mesmo, uma forma de se descobrir através de modelos de outrora, para além de que o prestígio destes mesmos modelos, mais do que criar o desejo de os imitar, deve estimular a criação de novas obras. De novos modelos, novas pontes para o futuro. Como dizia Maquiavel, a uma longa experiência das coisas modernas deve corresponder uma permanente lição das antigas. A Idade Média fora o tempo dos exempla, ligados à pregação popular e à conversão, em associação assim à retórica da persuasão, através do contar de história edificantes. O exemplo dos antigos tinha uma outra dimensão, heróica, a partir da qual se apela aos tempos primordiais e se tenta imitá-los. Os homens do Renascimento tentaram reavivar esta dimensão, o ressuscitar os primórdios, imitando os textos gregos e romanos, procurando os mitos e os tempos fabulosos das origens, rompendo com o dogmatismo medieval da imitação dos exempla. Esta redescoberta do mundo maravilhoso e exponencial das origens atingiu também a própria Igreja do século XV, que apresentava já mudanças nas mentalidades e nos programas devocionais e expressões de caridade reactivadas. O grande exemplo dessa redescoberta ou dessa procura do tempo heróico e perfeito das origens do Cristianismo, ainda que servindo também de modelo aos vindouros, foi a obra Imitação de Cristo, de um anónimo do século XV, recopiada e imitada até à exaustão ao longo de séculos, tendo sido, durante o século XVI, o livro mais lido depois da Bíblia. É atribuída a sua autoria a Tomás de Kempis, ou a Gerson, mas ambas as hipóteses (mais a segunda) são discutíveis». In Infopédia, Porto Editora, Porto.
O tema da imitação, se foi lançado por Platão, como se viu, o conceito em si era para este filósofo mais alargado do que é hoje, conotando-o tanto com o mal e com as coisas secundárias como lhe dava também um sentido mais positivo, conferindo-lhe um significado simbólico, foi com o Renascimento que ganhou expressão e um conjunto de interrogações cada vez mais arrebatadas, procurando-se desde então um mais claro discernimento entre os verdadeiros espíritos criadores e os copistas ou plagiadores. Foi talvez o problema mais agudo e traumático dessa época, que por um lado afirmava orgulhosamente a sua originalidade ou criatividade mas que não deixava de assentar num regresso ao passado glorioso dos clássicos gregos e romanos. Todo o médico do século XVI tinha que ter lido Hipócrates e Galeno, como todos os filósofos e pensadores escolásticos na Idade Média tinham que ter lido Aristóteles. Em S. Tomás de Aquino, já no século XIII, não se pode entender toda a sua monumental criação filosófica que é a sua Summa Theologica sem se conhecer Aristóteles e as suas categorias do conhecimento humano. Mesmo um orador não o poderia ser no Renascimento sem nunca ter lido Cícero, Bartolomeo Ricci, na sua De Imitatione (1545), defendeu que o indivíduo tem duas alternativas: ou deve procurar conformar-se a um modelo exterior ou então seguir a sua natureza sem imitar ou seguir alguém. Montaigne, mais tarde, ultrapassa esta ideia de Ricci, introduzindo o tema do mastigar de novo, enquanto nova forma de revisitar os Clássicos. Muitos já o tinham feito, à sua maneira, como Petrarca e o tema das abelhas, de Séneca, como fez também F. Bacon, ou S. Bernardino de Siena, como o seu Sermão da Quaresma de 1425, imitando o Cristianismo primitivo. Para o indivíduo do Renascimento, enfim, compreender ou procurar modelos nos Antigos é compreender-se a si mesmo, uma forma de se descobrir através de modelos de outrora, para além de que o prestígio destes mesmos modelos, mais do que criar o desejo de os imitar, deve estimular a criação de novas obras. De novos modelos, novas pontes para o futuro. Como dizia Maquiavel, a uma longa experiência das coisas modernas deve corresponder uma permanente lição das antigas. A Idade Média fora o tempo dos exempla, ligados à pregação popular e à conversão, em associação assim à retórica da persuasão, através do contar de história edificantes. O exemplo dos antigos tinha uma outra dimensão, heróica, a partir da qual se apela aos tempos primordiais e se tenta imitá-los. Os homens do Renascimento tentaram reavivar esta dimensão, o ressuscitar os primórdios, imitando os textos gregos e romanos, procurando os mitos e os tempos fabulosos das origens, rompendo com o dogmatismo medieval da imitação dos exempla. Esta redescoberta do mundo maravilhoso e exponencial das origens atingiu também a própria Igreja do século XV, que apresentava já mudanças nas mentalidades e nos programas devocionais e expressões de caridade reactivadas. O grande exemplo dessa redescoberta ou dessa procura do tempo heróico e perfeito das origens do Cristianismo, ainda que servindo também de modelo aos vindouros, foi a obra Imitação de Cristo, de um anónimo do século XV, recopiada e imitada até à exaustão ao longo de séculos, tendo sido, durante o século XVI, o livro mais lido depois da Bíblia. É atribuída a sua autoria a Tomás de Kempis, ou a Gerson, mas ambas as hipóteses (mais a segunda) são discutíveis». In Infopédia, Porto Editora, Porto.
Cortesia de Infopédia/JDACT