NOTA: De acordo com o original
«(…) Mediando os
concertos entre Magalhães e o imperador, succedêra enlouquecer o cosmographo
Faleiro, que até então fora sócio de Fernão, com o que teve Magalhães
de se embarcar sem o companheiro, tomando á sua conta exclusiva os futuros
cuidados d'aquella empresa.
Designado Fernão
de Magalhães por capitão-mór da expedição entrou a governar a Trinidad, que ia por capitania. A
segunda caravella Santo António
capitaneava João Cartagena. A terceira, por nome Concepcion, mandava Gaspar Quesada, e fazia n'ella o officio
de piloto o celebrado Elcano, que mais particularmente partilhou com Magalhães
as glorias d'esta longa navegação e descobrimento. A quarta, cuja invocação era
Victoria, commandava Luiz Mendonça.
Na caravella Santiago embarcou de
capitão João Serrano, que era ao mesmo tempo piloto-mór de toda a frota.
Tripulavam ao todo as cinco embarcações duzentos e trinta e sete homens, que
não seriam hoje suficientes para guarnecer um só navio que se destinasse a tão
diuturna e aventurosa navegação, como aquella que iam então emprehender.
Sigamos a narração de
Gaspar Corrêa, descrevendo as vistas de Magalhães com o imperador, e os
aprestos da pequena armada: …Fernão de Magalhães foi a Burgos, onde
estava o imperador e lhe beijou a mão, e o imperador lhe deu mil cruzados de
acostamento para gasto de sua mulher em quanto fosse sua viagem, assentado na
vassallagem de Sevilha, e lhe deu poder de baraço e cutello em toda a pessoa
que fosse na armada, de que seria capitão-mór; do que lhe assignou grandes
poderes; com que tornado a Sevilha, lhe foram concertados cinco navios
pequenos, como elle pediu, concertados e armados como elle quiz, com quatrocentos
homens de armas, em que lhe carregaram as mercadorias que elle pediu. Os
regedores lhe disseram que elle desse as capitanias, do que elle se escusou
dizendo que era novo na terra, que não conhecia os homens; que eles os
buscassem que fossem bons e fieis ao serviço do imperador, que folgassem por
seu serviço de levar trabalhos e má vida que haviam de passar na viagem. O que
os regedores muito lhe tiveram a bem e bom aviso, e que aos capitães que
fizessem e gentes que levasse primeiro lhes notificassem os poderes que levava
do imperador. O que assim fizeram, e em Sevilha buscaram homens de confiança
para capitães, que foram João Cartagena, Luiz Mendonça, João Serrano e Pêro
Quesada. Esta narração de Gaspar Corrêa discorda apenas do que referem os
outros historiadores em dizer que Magalhães levava em sua frota
quatrocentos homens, e chamar Pêro Quesada ao que outros escrevem com o nome de
Gaspar, que elle próprio depois no decurso da narração lhe restitue.
Largou de Sevilha a
armada em 1 de Agosto de 1519,
e aos 27 de Setembro desaferrou do porto de San Lucar, aproando ao rumo
das Canárias. Tomando terra em Tenerife para refrescar e aperceber-se de
vitualhas, passando na volta de Cabo-Verde e indireitando para a America,
surgiram na bahia de Santa Luzia, d'onde sairam a 27 de Dezembro. Chegando
ao rio da Prata, foi a nau Santiago
pelo rio acima, até 25 legoas de sua foz, e veiu trazendo nova de que o rio se
alargava para o norte. Foram seguindo a costa para o sul, e aos 42º e 30’ de
latitude austral, entraram n'uma grande bahia, a que pozeram nome de S.
Mathias, e suspeitando que por ali podesse haver passagem para o mar do sul, a
andaram buscando n'aquellas aguas, por umas cincoenta legoas de navegação, sem
a poderem descobrir. D'ali se foram, sempre costeando, até surgir na bahia de S.
Julião.
Tomada lingua com a
gente da terra, que eram os celebrados patagões, de quem se phantasiavam tantas
fabulas, e captivos alguns d'elles, entraram os capitães de três das caravellas
em aberta insurreição contra Magalhães. Por salvar sua
auctoridade e segurar a continuação da empresa, os mandou elle punir de pena
capital, depois que já não eram bastantes a reprimil-os o conselho e persuasão,
com o que vieram a cessar as alterações que havia na frota e a prevalecerem os
desígnios de Magalhães, o qual invernou n'aquellas paragens, em que, como diz Gaspar Corrêa, espalmou e concertou muito bem os navios».
In
Latino Coelho, Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos
e publicados sob a direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira,
Empresa Literária Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.
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