NOTA: De acordo com o original
«(…) Foi-se Fernão
de Magalhães a Castella, levando em sua companhia a Ruy Faleiro, perito
cosmographo portuguez, e a outros navegantes da mesma nação, os quaes iam dispostos
a seguil-o na sua boa ou má fortuna. Já então lhe era inabalável convicção a de
que seria possível encontrar a desejada passagem para a Índia Oriental, navegando
ao sul do Novo Mundo. O plano predilecto de Colombo achou em Fernão
de Magalhães um devotado continuador.
Avistou-se em Sevilha o portuguez,
já então desnaturalisado de sua pátria, com os offciaes da contratação, e lhes propoz
o intento que levava. Passando depois á corte, o acolheu benignamente o ministro
cardeal Fr. Francisco Ximenes de Cisneros, que tanto se empenhava pelo engrandecimento
e poderio da coroa castelhana, e que desejou accrescentar os dominios hespanhoes,
como bem o demonstrou na jornada de Oran, que elle próprio dirigira, vestindo o
arnez sobre a purpura romana. Prometteu o cardeal a Magalhães que á volta do imperador,
que então andava em Flandres, lhe seria despachada a sua justa petição.
Oiçamos o singelo
historiador Gaspar Corrêa, narrando com sua nativa sinceridade os successos de
Magalhães: ... Fernão de Magalhães se foi a Castella ao porto de Sevilha, onde se casou
com a filha de um homem principal, com tenção de navegar pelo mar, porque entendia
muito da arte de piloto, que era esperico (o mesmo que espherico, homem sabedor
da esphera, ou das coisas da cosmografia). Em Sevilha tinha o imperador a Casa
da Contratação, com seus regedores da fazenda, com muitos poderes, e grande
tráfego de navegação e armadas para fora. Fernão
de Magalhães, atrevido em seu saber, com a muita vontade que tinha de anojar
el-rei de Portugal, falou com os regedores da Casa da Contratação, e lhes
disse que Malaca e Moluco, ilhas em que nascia o cravo, eram do imperador pelas
demarcações que havia d'entre ambos; pelo que el-rei de Portugal contra direito
possuia estas terras; e que isto elle o faria certo ante todos os doutores que o
contradissessem, e a isso obrigaria a cabeça. Ao que os regedores lhe responderam
que bem sabiam que elle falava verdade, e o imperador assim o sabia, mas que o
imperador não tinha navegação para lá, porque não podia navegar pelo mar da demarcação
d'el-rei de Portugal. Fernão de Magalhães
lhes disse: Se me derdes navios e gente, eu mostrarei navegação para lá, sem
tocar em nenhum mar nem terra d'el-rei de Portugal. E senão que lhe cortassem
a cabeça. Do que os regedores muito contentes o escreveram ao imperador, que lhes
respondeu que havia prazer com o dito e muito mais haveria com o feito; que elles
tudo fizessem, guardando seu serviço e as coisas d'el-rei de Portugal, que não fossem
tocadas, e que antes tudo se perdesse. Com a qual resposta do imperador falaram
com o Magalhães e com elle muito se affirmaram
no que dizia, que navegaria e mostraria o caminho por fora dos mares d'el-rei de
Portugal; que lhe dessem os navios que pedisse, gente, artilheria e o necessário,
que elle cumpriria o que dizia, e descobriria novas terras que estavam na demarcação
do imperador, d'onde traria oiro, cravo, canella e outras riquezas; o que ouvido
pelos regedores, com grande desejo de fazer tamanho serviço ao imperador, como era
descobrir esta navegação, e por fazerem esta coisa mais certa, ajuntaram pilotos
e espericos, que sobre o caso disputaram com o Magalhães, que a todos deu suas razões, que concederam no que dizia
e afirmaram que era homem mui sabido.
Chegando a Hespanha Carlos
V, se foi Magalhães á cidade de Burgos, onde estava então o César, e perante a sua
presença proseguiu nas diligencias da sua empresa. Opiniou favoravelmente o conselho
de Castella sobre a proposta do navegante portuguez. Accedeu a final o imperador,
e fazendo a Magalhães a mercê do habito de Santiago e nomeando-o capitão de
suas frotas, ordenou que em Sevilha se lhe fizessem prestes cinco caravellas, com
que havia de partir em sua projectada expedição». In Latino Coelho, Fernão de
Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a
direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária
Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.
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