Maria Magdalena. Aa antiodisseia da discípula amada
«(…) O que aconteceu com
a trajectória dessa intrigante mulher, uma das mulheres mais importantes dos Evangelhos,
que passou de Discípula Amada de Jesus para o papel de meretriz, profissão que nunca exerceu? Quem afinal era Maria
Madalena e quais os mistérios que pairam sobre a sua verdadeira identidade? Por que ocorreu a fusão das denominadas três Marias?
NOTA: Esta própria definição
três Marias é incorrecta, porque uma das mulheres envolvidas na
miscelânea de erros sequer é nomeada: temos Maria Madalena, ex-possessa; Maria,
irmã de Marta e Lázaro e uma pecadora que ungiu Jesus e que não é nomeada.
Ainda se acrescenta a estas três mulheres o perfil de uma quarta: a adúltera
que quase foi apedrejada e que foi salva por Jesus.
Qual é o papel da ficção
no resgate da possível biografia dessa mulher que saltou magnificamente das
páginas da Bíblia para o imaginário popular ocidental como uma esfinge a
ser decifrada e que contém em si um
farfalhar de hipóteses? O que a Literatura pode fazer por ela já que a
Teologia demorou quase centenas de anos para começar a mudar sua visão
distorcida dessa mulher que foi um marco fundamental na formação do cristianismo primitivo? Por que quando se fala
em Madalena,
as pessoas se lembram das seguintes imagens:
- Uma mulher ungindo os pés de Jesus com óleo e lágrimas e secando os pés do profeta da Galileia com seus próprios cabelos;
- Uma mulher quase sendo apedrejada por adultério;
- Uma prostituta arrependida e penitente ou, pior ainda;
- Uma mulher pecadora e sedutora que tentou atrapalhar a missão do Messias prometido?
Recorramos à Bíblia para
sondarmos a biografia de Madalena. O evangelista Lucas, no
capítulo…, está narrando sobre as mulheres que seguiam Jesus e acrescenta no
versículo… : [...] e também algumas
mulheres que haviam sido curadas de espíritos
malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demónios;
E Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras,
as quais o seguiam com seus bens.
Madalena foi salva,
convertida dos pecados do espírito, enfermidades, passando a seguir Jesus,
juntamente com todas as outras mulheres, entre elas Joana e Suzana. Note-se que
o versículo diz que Madalena, incluindo Joana e Suzana, foram curadas de espíritos
malignos e enfermidades, mas só no caso de Madalena o espírito maligno foi
tomado como sinónimo de prostituição. Cabe aqui ressaltar a hipótese bastante
razoável de Jean Yves Leloup que, no romance Maria Madalena, - uma mulher incomparável, aponta esses demónios,
obstáculos – shatan em hebraico, como doenças psicossomáticas. Segundo o
autor, esses sete demónios poderiam ser obstáculos para uma vida plena em espírito
e poderiam ser identificados como: gula ou bulimia, cólera, estupidez
e irascibilidade, lassidão, tristeza, estupidez, orgulho.
Enfatizamos que, no tempo de Jesus, as doenças mentais eram explicadas como
casos de possessão demoníaca. Para corroborar nosso argumento recorremos ao
livro O Diabo no imaginário cristão,
de Carlos Roberto Nogueira que esclarece: Sob a ordem de seu mestre, os demónios se apossavam igualmente dos
indivíduos, provocando problemas como a epilepsia, a paralisia histérica, ou
ainda, o entorpecimento dos corpos. Nessa
ordem de ideias, os milagres de Cristo, que consistiam, na sua maior parte,
precisamente na cura desse género de problemas, eram considerados como
medidas enfraquecedoras do poder de Satã, cada milagre abrindo uma espécie de
brecha na autoridade maligna.
Leloup lembra também que
quem está possuído não pode pecar, já que não é dono de si. Só quem é livre
pode pecar. Maria Madalena não cometeu pecado algum, uma vez que estava
possuída e, portanto, não era dona de seus actos. O uso do termo Madalena
arrependida, tão comum, é completamente despropositado, arrependida de quê? Ela não foi
uma meretriz para se arrepender e, se estava endemoninhada, não era responsável
por nada que tenha feito». In Salma Ferraz, organização, Maria Madalena das páginas da Bíblia para a
Ficção, Textos Críticos, Eduem, UEM,
Maringá, Brasil, 2011, ISBN 978-85-7628-334-8.
Cortesia de Eduem/JDACT