Prefácio
«Quem afinal foi Maria Madalena ou Maria de Magdala?
A pergunta que Salma Ferraz coloca logo no início, é uma espécie de roteiro que
se oferece. Quem é ela, enfim?
Um arquétipo platónico, um sonho colectivo, um
delírio universal? O que aconteceu de facto e que lembranças nós guardamos dela? O que se pode
comprovar historicamente e qual a parte de mito que ficou no inconsciente de todos nós? Freud
explica, ninguém explica, Jung sabe,
alguém sabe? Os ensaios aqui reunidos, frutos, quase todos, do trabalho
desenvolvido no Núcleo de Estudos Comparados de Teologia e Literatura, na
Universidade Federal de Santa Catarina, não têm as respostas, mas fazem uma
bela investigação sobre os aspectos polémicos dessa história. E o fazem, às
vezes, polemicamente, brigando com os textos e a tradição evangélica. É claro
que não esgotam o tema, nem poderiam, mas mesmo assim, afirmam, negam,
insinuam, hesitam, duvidam, inventam, perguntam, e isso é o melhor que um livro
de ensaios pode oferecer.
Uma personagem como Madalena
é um enigma a ser decifrado, tantas são as questões que ela suscita e as
paixões que a envolvem. Existiu, não
existiu, é santa, é pecadora, foi inventada, caluniada, perseguida ....
precisamos decidir? Felizmente, não… Estamos diante de uma personagem
para lá de redonda, aquela que
surpreende sempre e não pode ser aprisionada em nenhum esquema, se aceitarmos a
fórmula usada por E.M. Forster quando estuda o romance. Mas se não aceitarmos,
não importa e, pensando bem, é até melhor. Pois o que verdadeiramente importa é
saber que, ao resgatar a figura de Madalena, estamos mergulhando numa
história de amor e diante desse que move o sol e as estrelas, revoluciona a
astronomia e, ainda por cima, não consola nunca de núncaras, estamos
completamente desprotegidos e o rigor académico é inútil.
Pois então, os historiadores
nos dirão algumas palavras, os teólogos nos dirão outras, mas nenhum deles nos
dirá todas, tantas são as palavras que podemos chamar em nosso auxílio, mesmo
aquelas, ou principalmente aquelas que não têm tradução, mas combinam bem.
Assim, as palavras que se oferecem lembram a personagem do livro A
imortalidade, de Milan Kundera. Parecem nos dizer: venham, sigam-nos,
e nós não sabemos para onde elas nos convidam, e elas também não sabem. Mas é
exactamente por isso que vale a aventura. E o bom é que, chegando à última
página, vê uns cabelos revoltos, sente no ar um perfume acre e doce, é Madalena,
descobre, seduzido, e mal se apercebe que ela foi embora há mais de 20 séculos.
Apresentação. E por falar em Madalena...
Quem afinal foi Maria Madalena ou Maria de Magdala? Rica?
Solteira? Viúva? Irmã de Marta e Lázaro? Pecadora? Penitente? Prostituta?
Discípula amada? Primeira mensageira das Boas Novas?
Primeira testemunha da ressurreição?
Fundadora do Cristianismo? Apóstola dos Apóstolos? Quantos anos ela tinha? Quando e como morreu? O que fez depois da morte de Jesus?
Este livro traz diversos
capítulos de investigadores apaixonados pela temática madalénica, que revelam o
trânsito, a migração de uma das personagens bíblicas mais polémicas e amadas do
cristianismo para a literatura, a pintura e a música. Se não temos ainda
respostas para as perguntas acima, pelo menos cabe aqui registar alguns
aspectos daquilo que designamos de A antiodisseia da Discípula Amada e
mostrar a paixão que ela despertou e desperta em artistas de todas as épocas e
de todos os lugares do Ocidente. Diversos investigadores darão aqui a sua
colaboração na tentativa de entender e revelar um pouco da esfinge pejada de
mistérios que se chamava Maria Madalena e que até hoje não
foi devidamente decifrada. Maculada por uma antipoética, sim, decifrada, não. A
esfinge que atendia pelo nome de Maria de Magdala. Ela brilha e rebrilha
no espelho da literatura, encanta-nos nos versos da poesia, nos tons sedutores
da música, na voluptuosidade da pintura. Definimo-la simplesmente como
a Mulher que Amou o Amor.
Maria Magdalena. Aa antiodisseia da discípula amada
A Teopoética é um novo
ramo de estudos literários voltados para a reflexão literária dos textos
bíblicos, para o diálogo e o debate, por vezes, conflituoso, porém fértil,
entre Teologia e Literatura. Uma das perguntas centrais que a Teopoética tenta
responder é se a Teologia suporta uma crítica estética, ou ainda, se a fé
aceita uma análise puramente literária dos textos bíblicos. Estas e outras
perguntas são debatidas por Karl Josef Kuschel (1999) no livro Os Escritores
e as Escrituras. Imersos
nas fendas e franjas da Literatura e Teologia, queremos resgatar uma importante
personagem bíblica feminina que foi ultrajada durante séculos: Maria Madalena.
Talvez não fosse o caso aqui de tratar de uma poética madalénica, mas sim de
uma antipoética, de uma antiodisseia madalénica». In Salma Ferraz, organização, Maria Madalena das páginas da Bíblia para a
Ficção, Textos Críticos, Eduem, UEM,
Maringá, Brasil, 2011, ISBN 978-85-7628-334-8
Cortesia de Eduem/JDACT