quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Os Ciganos de Portugal com um Estudo sobre o Calão. Adolpho Coelho. «O rumanho, a julgar pelos documentos que publico, perdeu quasi todas as particulas e pronomes (vid. no vocabulário apalé, amangue, mangue, mindai, se), e outras formas grammaticaes que ainda conserva o gitano; representa pois um estádio…»

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Considerações Gerais
«(…) Os ciganos do Alemtejo, segundo os dados precedentes e os que me communicou o sr. Pires, fallam o português, o hispanhol, e esse fallar a que elles chamam rumaño, romanó ou ainda romano, de que pode fazer-se ideia pelos textos e vocabulário acima impressos. Como se vê, o rumanho não é mais do que o hispanhol influenciado pelo português e semeado de palavras particulares, a maior parte das quaes se encontram também no gitano ou linguagem dos ciganos de Hispanha. Noutros paizes da Europa os tsiganos fallam verdadeiros dialectos ou antes sub-dialectos particulares aparentados com os dialectos neo-hindus, saidos da mesma base popular de que o sanskrito se elevou á categoria de lingua litteraria. Esses dialectos tsiganos apresentam algumas peculiaridades phoneticas archaicas que os approximam especialmente de linguas ainda pouco conhecidas do noroeste da Índia, do Kafiristão e do Dardistão.
Miklosich enumera treze dialectos ou fallas tsiganas na Europa: grego, na Turquia da Europa; rumeno, na Rumenia, Siebenbürgen, Bucovina, Serbia e Rússia ; húngaro, na Hungria e Sirmia; bohemio, na Bohemia e Moravia; allemão, na Allemanha; polaco, na Polónia e Lituânia; russo, na Rússia septentrional; finno, na Finlândia; escandinavo, italiano, basco, inglez e hispanhol. Miklosich não teve conhecimento do importante dialecto tsigano do paiz de Galles (tsigano welsh), o qual, nesse meio de língua céltica, conserva muitas particularidades perdidas noutros seus co-irmãos.
O gitano conserva ainda partículas, pronomes, numeraes, a moção, certos processos de derivação e outras formas grammaticaes da lingua tsigana, representada por os mencionados dialectos ou sub-dialectos extra-hispanicos; mas doutro lado perdeu quasi por completo a antiga declinação, adoptou a conjugação hispanhola em ar, conservando algumas formas tsiganas do verbo sinar ser (sis, sisle, sin sou, es, é). Alguns numeraes gitanos mostram já influencia das formas hispanholas (jobenta sessenta, otorenta oitenta, junto de otordé; comp. ostardí quarenta, panchardi cincoenta, esterdí setenta). Ao lado de amaró, nosso, de origem tsigana, apresenta o gitano nonrió derivado do hisp. no(s).
O rumanho, a julgar pelos documentos que publico, perdeu quasi todas as particulas e pronomes (vid. no vocabulário apalé, amangue, mangue, mindai, se), e outras formas grammaticaes que ainda conserva o gitano; representa pois um estádio mais adeantado na ruina da lingua tsigana primitiva que o gitano, e offerece por esse lado interesse particular para o estudo de um dos processos de substituição da lingua de um povo por outra. Nos dialectos tsiganos europeus extra-hispanicos conserva-se em geral a base indica primitiva do vocabulário e da grammatica; no gitano os elementos tsiganos da grammatica reduzem-se consideravelmente, perdendo-se quasi por completo a antiga declinação e conjugação, apenas representada por ténues vestígios; no rumanho os vestigios tsiganos reduzem-se quasi unicamente a vocábulos feitos e alguns processos de derivação: o hispanhol e ainda o português occupam o logar abandonado pela grammatica tsigana. Assim por misturas successivas o elemento românico foi eliminando o tsigano. Se tivessemos documentos da linguagem dos gitanos provenientes dos séculos XVI e XVII, ainda mais de perto poderíamos seguir esse processo, que, como mostrarei noutra parte, está longe de ser o único pelo qual um povo perde a sua própria lingua para adoptar a alheia». In Adolpho Coelho, Os Ciganos de Portugal, Com um Estudo sobre o Calão, Sociedade de Geografia de Lisboa, Congresso Internacional dos Orientalistas, SSGL, Imprensa Nacional, Lisboa, 1892.

Cortesia de IN/JDACT