Considerações Gerais
«(…) Os ciganos do Alemtejo,
segundo os dados precedentes e os que me communicou o sr. Pires, fallam o português,
o hispanhol, e esse fallar a que elles chamam rumaño, romanó ou ainda romano, de que pode fazer-se ideia pelos
textos e vocabulário acima impressos. Como se vê, o rumanho não é mais
do que o hispanhol influenciado pelo português e semeado de palavras particulares,
a maior parte das quaes se encontram também no gitano ou linguagem dos ciganos de
Hispanha. Noutros paizes da Europa os tsiganos fallam verdadeiros dialectos
ou antes sub-dialectos particulares aparentados com os dialectos neo-hindus, saidos
da mesma base popular de que o sanskrito se elevou á categoria de lingua
litteraria. Esses dialectos tsiganos apresentam algumas peculiaridades
phoneticas archaicas que os approximam especialmente de linguas ainda pouco conhecidas
do noroeste da Índia, do Kafiristão e do Dardistão.
Miklosich enumera treze
dialectos ou fallas tsiganas na Europa: grego, na Turquia da Europa; rumeno,
na Rumenia, Siebenbürgen, Bucovina, Serbia e Rússia ; húngaro, na Hungria e Sirmia;
bohemio, na Bohemia e Moravia; allemão, na Allemanha; polaco, na Polónia e Lituânia;
russo, na Rússia septentrional; finno, na Finlândia; escandinavo, italiano, basco,
inglez e hispanhol. Miklosich não teve conhecimento do importante dialecto tsigano
do paiz de Galles (tsigano welsh), o qual, nesse meio de língua céltica,
conserva muitas particularidades perdidas noutros seus co-irmãos.
O gitano conserva ainda partículas,
pronomes, numeraes, a moção, certos processos de derivação e outras formas grammaticaes
da lingua tsigana, representada por os mencionados dialectos ou sub-dialectos
extra-hispanicos; mas doutro lado perdeu quasi por completo a antiga declinação,
adoptou a conjugação hispanhola em ar,
conservando algumas formas tsiganas do verbo sinar ser (sis, sisle,
sin sou, es, é). Alguns numeraes gitanos
mostram já influencia das formas hispanholas (jobenta sessenta, otorenta
oitenta, junto de otordé; comp. ostardí quarenta, panchardi cincoenta, esterdí
setenta). Ao lado de amaró, nosso, de
origem tsigana, apresenta o gitano nonrió
derivado do hisp. no(s).
O rumanho, a julgar pelos documentos que publico, perdeu quasi todas as
particulas e pronomes (vid. no vocabulário apalé,
amangue, mangue, mindai, se), e outras formas grammaticaes que ainda
conserva o gitano; representa pois um estádio mais adeantado na ruina da lingua
tsigana primitiva que o gitano, e offerece por esse lado interesse particular
para o estudo de um dos processos de substituição da lingua de um povo por outra.
Nos dialectos tsiganos europeus extra-hispanicos conserva-se em geral a base indica
primitiva do vocabulário e da grammatica; no gitano os elementos tsiganos da grammatica
reduzem-se consideravelmente, perdendo-se quasi por completo a antiga declinação
e conjugação, apenas representada por ténues vestígios; no rumanho os vestigios
tsiganos reduzem-se quasi unicamente a vocábulos feitos e alguns processos de derivação:
o hispanhol e ainda o português occupam o logar abandonado pela grammatica tsigana.
Assim por misturas successivas o elemento românico foi eliminando o tsigano. Se
tivessemos documentos da linguagem dos gitanos provenientes dos séculos XVI e XVII,
ainda mais de perto poderíamos seguir esse processo, que, como mostrarei noutra
parte, está longe de ser o único pelo qual um povo perde a sua própria lingua para
adoptar a alheia». In Adolpho Coelho, Os Ciganos de Portugal, Com um Estudo sobre o Calão,
Sociedade de Geografia de Lisboa, Congresso Internacional dos Orientalistas,
SSGL, Imprensa Nacional, Lisboa, 1892.
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